sábado, 31 de janeiro de 2009

Vaca também é gente


Vacas felizes produzem mais leite, de acordo com pesquisadores da Universidade de Newcastle, no norte da Inglaterra.

O animal que recebe um nome e é tratado com "um toque mais pessoal" pode aumentar a produção em até 285 litros por ano.

O fazendeiro Dennis Gibb, co-proprietário da Fazenda Eachwick Red House, nos arredores de Newcastle, disse que acredita ser "de vital importância" que cada vaca seja tratada como um indivíduo.  "Elas não são apenas nosso ganha-pão, elas são parte da família", afirmou.

Fonte: BBC Brasil

A pauta era simples: ir a uma pequena chácara e entrevistar o dono que ganhou destaque depois que sua Sebastiana ganhou três vezes o torneio anual de produção de leite. Explico: Sebastiana era uma bela vaca girolanda avermelhada, com um rosto simpático e olhos doces. Mas havia também a Violeta, Mimosa, Pretinha, Sapoti, Alcione, Maysa, Elizete, e uma assanhada, a Elza, a Soares.

Por que nomes de cantoras nas vacas? Olhe, eu gosto de música. Uns anos atrás a loja aqui da cidade estava praticamente dando os discos LPs destas cantoras, porque ninguém queria comprar, isto por causa da modernidade de umas rodelinhas assim de pequenas que, disseram, era muito melhor. Levei tudo. Gosto de ouvir quando venho ordenhar as meninas e notei que, dependendo da cantora, elas mostravam um contentamento que só vendo.

E o senhor acredita mesmo que as vacas entendem de música e até tem preferência? Oxe! Mas não gosto de chamar as bichinhas de vaca não. Outro dia, me disseram que chamam mulher vagabunda de vaca, como é que vou chamar as meninas assim?

Mas isso é só uma gíria. Sei não, podem girar pra diante e pra trás, mas para mim elas são quase gente, e merecem respeito. Chamo não senhor.

Está bem. É verdade que pelo fato de terem nomes elas produzem mais leite? Sei dizer não. Sei é que elas entendem o carinho que tenho por elas. O povo da cidade diz que vaca é tudo igual. É não senhor. Cada qual aqui tem seu jeito. A Elza, por exemplo, é espevitada. Quando ela tá de lua, taca o pé no balde. Já Mimosa, o nome já diz, num faz mal a uma mosca. Como é que é tudo igual? Trato cada qual do seu jeito. A gente não é assim também? Tem gente de toda qualidade, assim é também com os bichos. E olhe, todo mundo gosta de respeito e bom trato.

Como é aquela história de que o senhor chama as “meninas” de suas senhoras? Isso é maldade do povo. Querem dizer que eu tenho coisa com as “meninas”. Eu disse uma vez aí que a Sebastiana ganhou o prêmio, que ela era minha senhora, mas não quis dizer nada de sem-vergonhice. Deus me livre. Eu sou respeitoso com as meninas. E lhe digo, só uma cabra fi d’uaégua é capaz de repetir uma conversa dessas. Fique tranquilo, não quero ofendê-lo.

Dizem que o senhor considera as “meninas” como de sua família? E não havera (sic) de considerar? Tudo que tenho aqui é por causa delas. É muito feio achar que elas são só um meio de sustento. Pois não são. Olhos lacrimejados. Vou lhe dizer, eu tenho um amor muito grande por elas.

Venha cá, vou lhe apresentar a Sebastiana. Sebastiana, esse aqui é o jornalista que falei procê hoje de manhã. O repórter meio sem jeito, não sabia o que fazer. Tentou um olá. Como vai Sebastiana? A vaca continuou impassível, mascando seu capim comido horas antes. Se avexe não, ela entende. Pode falar. Pigarreou. Sebastiana, você é uma vaca muito bonita. Voltou-se para o homem. Desculpe. Uma “menina” muito bonita. A vaca espantou algumas moscas com o rabo. Viu?  Disse o homem. Deu uma tapa nas costas do repórter: Acho que ela gostou do senhor.

Vamos ver as outras. Não é necessário, disse o repórter desconcertado e já sendo motivo de mangofa do cinegrafista e iluminador. Faço questão. O senhor sabe como as mulheres são. Se o senhor não falar com todo mundo, isto dá uma fofocaiada que nem queira saber. E aqui não faço diferença. Olhe, esta é a Mimosa. O repórter preferiu não falar. O homem notou. Fale com ela. Olá, Mimosa? E as outras? Perguntou. Tão ali juntinha, conversando coisa de mulher. Pretinha, Sapoti, Alcione, Maysa, Violeta... Cadê a Elizete e a Elza? Perguntou para si mesmo. Num tô dizendo, essa Elza... Voltou-se para o repórter. Elas são muito amigas, mas a Elza bota uma a perder com os assanhamento dela. Elza! Elisete!

Acho que já está bem. Elas devem ter ido passear, tentou safar-se o repórter. É como lhe disse, nem que seja um bom dia de longe o senhor vai ter que dar. E se a Elza descobre que não foi filmada, amanhã sonega o leite. Aquilo tem um gênio! Veja lá. Perto da cerca. Aquilo ali é dando sopa para um tourinho novo que chegou no vizinho. Elza e Elisete, venham cá. As vacas vieram. Esse aqui é o repórter e os companheiros dele. São do jornal da cidade. Elza mugiu e passou adiante balançando as ancas, seguida por Elisete. Como é que é? O repórter e os outros dois nada entenderam, claro. Percebendo que eles voavam, acudiu: Ela disse que não vai dar entrevista nenhuma. Elza! Elisete, voltem aqui já! Quando chegar ao curral vamos ter uma conversinha. Isso é jeito de tratar as visitas? Voltou-se para eles e disse: Me adesculpem. E correu em direção ao curral.

Este texto foi publicado na coluna Eudes Alencar do Jornal Pequeno que sai aos domingos.

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