sábado, 4 de fevereiro de 2017

Sobre o filme Beleza Oculta (spoiler)

Tenho certa cisma com o Will Smith quando atua em papeis dramáticos. Ele esteve razoavelmente bem em “Em busca da felicidade” e em “Um homem entre gigantes”. Então nos primeiros quinze minutos de Beleza Oculta pensei que ele estacionaria numa expressão monocórdica que emenda as sobrancelhas e acha que passa desolação, tristeza e desamparo que era a tônica do personagem. O próprio filme parecia buscar um caminho ente as cenas que pediam uma concatenação mais suave.
Mas foi só o fatídico quarto de hora. Depois o filme embala e o próprio Howard (Smith) sai do marasmo e quase atua de verdade. A história é intrigante. O personagem de Smith tem uma perda pessoal devastadora. Esse luto não só se transforma em depressão profunda, como o mecanismo de defesa usado pelo personagem é uma negação em tal nível que ele aparentemente perde o contato com a realidade. Ele se transforma numa dor ambulante enorme. Um zumbi, se preferirem.
A agência de propaganda da qual é fundador e sócio majoritário está, por esta razão, à beira do desastre. A saída é vendê-la, mas seus sócios-amigos – difícil arrumar sócio que seja amigo – estão em busca de uma solução para que ele participe da única forma possível de salvá-la: vender a empresa. Mas como fazê-lo entrar na realidade para ser lógico e prático para tomar a decisão?
Aqui está a coisa mais interessante desse filme. Em um discurso célebre na empresa, Howard definiu quais eram os princípios fundamentais que moviam todas as ideias e criatividade de suas campanhas: o amor, o tempo e a morte. Estas três dimensões da vida se entrelaçam e definem a nossa existência e isso é tudo, não importa o que somos ou o que tenhamos, defendia. Todos estamos submetidos, para o bem ou para o mal, a estas três dimensões, assegurava.
Por pura casualidade, seu grande amigo se depara com uma trupe de três atores que ensaiam uma peça, mas não tem recursos para bancá-la. Ele promete dinheiro se estes três corporificassem aquelas dimensões que foram, em dado momento, a filosofia de vida de Howard. Talvez uma tentativa alucinada de trazê-lo para a lucidez.
A filha era o amor de sua vida, ao lado da esposa. A morte não a poupou, mesmo que ele tenha pedido a ela que não a levasse, portanto, não lhe dando tempo para crescer e se tornar uma mulher. Angustiado, escreve cartas para estas entidades. Desdenha da morte. Sente-se traído pelo amor. O tempo é um ladrão.
As cartas serão o suporte para a atuação dos personagens que, no filme, conseguem enganar Howard na tentativa de tirá-lo do abismo de autocomiseração e revolta em que afundou. A ideia é muito interessante, mas não funcionou. Faltou química na constelação de astros. Salva a ideia dos diálogos com a morte, o amor e o tempo, mesmo que, em dado momento, a farsa dos amigos seja tratada para nós espectadores como se os três atores fossem mesmo o disfarce perfeito daquelas entidades.
Apesar de atores de peso, com atuações muito boas em outros filmes, este filme não decola. Fica a questão de tratar do tema do luto, embora com tons excessivamente carregados que escorrega para o emocionalismo. Não foi dessa vez, Will Smith.

Nenhum comentário: