domingo, 29 de janeiro de 2017

O que importa é a fome


Não quero a faca nem o queijo, eu quero a fome. Então, maturidade é isso, saber o que quer? Perceber entre milhões de possibilidades, as que nos ofertam, os quereres dos outros e suas expectativas, suas certezas e sensos estéticos, princípios morais que apontam direções que não viveram ou viveram e foram experiências desastrosas, porque não lhes cabia, eram histórias de outros.
De que adianta faca e queijo sem fome? Será que aprendemos a escolher entre o essencial e o supérfluo? A faca de prata e o queijo gourmet ante uma vontade de fome anoréxica são um acinte. Como a poetisa, também quero a fome. Ela, sim, é uma certeza brutal. É nua como uma katana pronta para a luta. Dispensa ornamentos, só o brilho da lua ou do sol que reflete em seu corpo esguio.
Rejeitar faca e queijo não é presunção ou fastio, é liberdade e segurança. É preciso insight profundo para escolher entre uns e outro. É preciso ter vivido uma revelação. Escolhas entre milhares de opções só nos entedia. Mesa cheia e decorada mata fomes conceituais. Resolve fastio de vidas pequenas. A fome é a certeza crua e feroz que desperta a sensação de estar vivo.
O que favorece e facilita, como a faca afiada, amolece, torna o viver monótono. Acostuma-se um à vida mecânica e facilitada. Vida mediada pela menos-valia de metais que são corroídos pela ferrugem. A fome dá sentido e inteireza. Razão e valor, ainda que por um naco de pão seco. Não se furta à clareza e verdade. É o que é. Tem olhos agudos e uma energia devoradora por mais.
Por que não escolher os três: faca, queijo e fome? A poucos se lhe dá a sorte desta abundância. De fato, os que têm os três estão mesmerizados em vidas sem significado, assim, não há escolha a ser feita, o que tem está dado desde sempre. A escolha vem das experiências viscerais que se vive. O valor de cada coisa tem que ser provado na vida, do contrário não se tem chão de escolha.
Só escolhe a fome os calejados de vivências testadas. Aprenderam em caminhos estreitos que viver é mais importante que comer e beber. A seguir Adélia, a fome que sente não é saciada com literais comidas, como aqueles cujo deus é o estômago. Eles transcendem facas e queijos, posto que os terrenos apetites não são mais suficientes.

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