Experimente
ficar em silêncio num lugar calmo por dois minutos. Perceba sua mente e o
enorme barulho que ela faz. Os pensamentos lhe atravessam como comboios
zuadentos, fervilhantes como uma rodoviária. Você pesca algo e mal se dá conta
e outra coisa já o substituiu. Então um desassossego se insinua, porque você percebe
que não é capaz de registrar, entender, explicar tantos pensamentos juntos. O
barulho se torna ensurdecedor e você se levanta e liga a tv, põe o fone de
ouvido para ouvir uma música enquanto liga o computador para ver algo na
internete.
Ficar a sós
consigo mesmo é um baita desafio. Perceber-se quase sempre é deparar-se com as
inquietações cotidianas e, se alguém é suficientemente sensível, aquelas outras
transcendentes e definitivamente mais sedentas por respostas que não temos. Alguns
chamam isso de solidão. É como diz Mia Couto de um de seus personagens: “Tinha tanto medo de solidão que nem espantava as moscas.”
É possível se ouvir sem medo, sem querer tapar os ouvidos
pelo incômodo da gritaria? Os orientais descobriram a meditação como forma de
enfrentar esse caos interno. Os filósofos, a busca da verdade e do bem viver.
Os cristãos, a contemplação nos espaços ermos do deserto. Hoje, um método
prático é a Atenção Plena. É uma forma de meditação que tem como principal
característica se ouvir e observar os pensamentos como se se visse um filme de
imagens aleatórias, sem roteiro e trilha sonora. Cada um deles é só observado
sem que lhe atribuamos significado, valor, ou busquemos – desesperados –
explicação. Não é, contudo, panaceia. Funciona com dedicação e compromisso. Se
assim for, ela nos dará – nós nos daremos – o seu melhor.
Resultado: mente mais clara, uma paz que vem porque não há
pressa nem pressão para se reagir aos pensamentos. Eles são passantes como pessoas
numa rua, anônimos que são para nós. Onde há mais paz, a alegria e o
contentamento podem se imiscuir naturalmente.
Prefiro contentamento à felicidade. A felicidade pede busca
como um bem que se compra ou se conquista e que coisa mais distante da verdade!
O contentamento é forjado na escassez, na falta e na abundância, porque entende
que nada na vida é permanente. Manoel de Barros parece se referir a isso: “Sou
muito preparado de conflitos.” A felicidade é uma Carmem Miranda: esfuziante,
viva, alegre, mas o show acaba uma hora. A felicidade tem a pretensão da
permanência. Um feliz “para sempre” particular.
O contentamento vive a inteireza da vida. Acolhe o que
vier. É incansável. E outra vez me lembro do Mia Couto que diz que “Não viver é
o que mais cansa.” Paulo, o apóstolo, fala de um estado de contentamento. Nele
significa autossuficiência, independência das coisas externas que pudessem
perturbar sua paz interna. Ele reflete Sêneca que afirma que feliz é o homem
que se sente contente em quaisquer circunstâncias que se encontre.
A felicidade pressupõe algo estático. Algo alcançado. Um
destino. O ideal que se anseia por entre os fazimentos dos dias. A felicidade
está no futuro e num lugar. A felicidade é coisa. O contentamento é a
travessia. Sugere movimento. Ancora o hoje. Nunca se chega porque ele é
desfrutável apenas no momento presente. É um estar e ser. O contentamento é
aprendizável. Serpenteia os obstáculos. Respira gratidão.
Estar a sós é uma arte aprendida, necessidade nascida,
cultivo de si. Pede disciplina que, como canta Renato Russo, é liberdade. Pede
entrega. E “Repetir repetir — até ficar
diferente.” Como sabia bem Manoel de Barros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário