C. S. Lewis, autor de Crônicas de Nárnia, mas excepcional autor teológico, catedrático do estudo de inglês medieval e renascentista de Cambridge, em seu livro “Lendo os Salmos”, afirma algo incrível baseado na pergunta feita a Jesus por certo discípulo. A pergunta era sobre quantas vezes se deve perdoar. Se apenas sete vezes. Lewis comenta a resposta de Jesus: “precisamos perdoar nosso irmão setenta vezes sete não por ele nos ter ofendido 490 vezes, mas por tê-lo feito uma única vez.”
Lewis fala do perdão realizado, cujo ressentimento submergiu e em certas circunstâncias retorna com a mesma força como se nada tivesse sido feito a respeito dele. Ali, naquele instante, devemos perdoar outra vez.
Schopenhauer, em “Aforismos para a sabedoria de vida”, diz que não. De fato, o velho filósofo ranzinza ensina que é até possível relevar o que uma pessoa nos faz de mal. Agir assim, ele recomenda, apenas se a pessoa tem algum valor afetivo. Mas adverte, sombrio, você deverá saber que a pessoa errará outra vez. É como se dissesse: você foi avisado.
Caso aquele que se mostrou desagradável não tenha qualquer valor afetivo, ele advoga, não esquecer significa agir rápido e demitir a pessoa se for um funcionário, porém se for um “amigo”, deve-se romper relações incontinenti e sem mais.
Schopenhauer não acredita em mudanças de comportamentos. Para ele, o “caráter é absolutamente incorrigível e todas as ações humanas brotam de um princípio íntimo” que levará o sujeito a agir de forma igual quando a situação se fizer propícia. Ele afirma: ainda que as pessoas sejam sinceras em seu pedido de perdão, elas cometerão o mesmo erro ou algo parecido e que reconciliar-se é apenas um sinal de fraqueza do qual nos arrependeremos.
Qualquer um de nós que tenhamos passado da adolescência carregamos alguma história de ter sido magoado, traído, ignorado. A lista pode ser um pouco mais extensa que isso. Então sabemos que perdoar não é fácil. Muita gente segue os conselhos do velho pessimista – há quem diga que esse apelido é injusto –, outros carregam a dor da ofensa remoendo-a sem parar. Não raro estes voltam, sem perceber, a dor contra si mesmos: eu merecia, não sou digno, porque fizeram isso comigo?, o que eu fiz de errado?
O perdão pode ser visto como coisa de gente fraca, sem tutano ou que tem sangue de barata num mundo de relações amaras ou como pensa o filósofo rabugento. Um livro escrito em 1984 (Forgive and Forget – Healing the Hurts We Don’t Deserve), que em tradução livre significa: “Perdoar e esquecer – curando as feridas que não merecemos”, escrito pelo teólogo Lewis B. Smedes, desencadeou vários estudos na área psicológica abrindo um campo inteiro de pesquisas com centenas de artigos que avaliam o fenômeno psicoafetivo envolvido no processo do perdão. Conclusão: perdoar é um bom caminho para a saúde mental.
Smedes destaca ao longo de livro que o aguilhão mais terrível é o ressentimento. Sentir de novo a dor que lhe foi infligida. É a lembrança cutucando, tornando-se profunda, enraizada. É até possível um tipo de esquecimento, como forma de sobrevivência ou defesa, mas apenas se reprimiu o mal. Ele estará lá à espreita, como que invisível, disfarçado de boa vontade, talvez.
A psicologia ensina que há duas dimensões no perdão: a decisional e a emocional. A primeira é racional, muda a atitude em relação ao ofensor, permite reenquadrar a ofensa, evita a vingança. O perdão emocional é lento, processual. Nele estão as armadilhas da mágoa, da vitimização que levam o ofendido a ser controlado pelo ofensor.
Perdoar, no sentido psicológico, é reconhecer a realidade da ofensa e a responsabilidade do ofensor. Não se confunde com absolvição, indulto, justiça, conceitos da esfera jurídica. Tampouco se trata de desculpar, esquecer, negar. O perdão interpessoal requer empatia de forma deliberada. O perdão livra o que perdoa de stress, noites insones, depressão, do ódio crônico que agrava fatores cardiovasculares. Perdoar é saúde e liberdade.
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