RIO – Acusada de tentar matar envenenada a patroa, a empregada doméstica
Deusamar de Jesus Lima Rodrigues foi presa nesta sexta-feira, 14, no aeroporto
do Galeão, na Ilha do Governador (zona norte do Rio). A prisão preventiva dela
foi decretada sob acusação de ter envenenado a patroa, Sheila Gama, filiada ao
PDT, ex-deputada estadual e ex-prefeita de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Fonte: Fábio Grellet - O Estado de S.
Paulo (14/11/2014)
Sem navegação
em hipertexto, aquela notícia era estranha. Ela sozinha, foi assim que me
deparei, era troncha. Lá pelo meio trazia um link que, lido, acrescentava pouco
ao caso. Podia-se ver “o quê”, o “como”, o “quando” e o “onde”, mas o “porquê”
não estava lá. Ao ler, ficava o incômodo como coceira de bicho de pé. Por que o
animus necandi de Deusamar?
Aí só já havia
uma contradição fundamental. Então como explicar que alguém que carregue o nome
Deus e o verbo amar fosse capaz de usar método insidioso e cruel para
assassinar sua patroa? Sim, a suposta assassina, possivelmente chamada de Deusa
entre os íntimos, usara do ardil de substituir o conteúdo da cápsula
medicamentosa por chumbinho, popular veneno destinado a matar ratos.
Convenhamos, o
ódio cevado sabe-se de que forma e por quanto tempo, deu a Deusamar não só a
criativa ideia, mas a paciência nefasta dos vingativos que, como se diz, comem
pratos frios. Acrescente-se a meticulosidade do artifício. É de se imaginar
Deusa espremendo os olhos para enxergar as bolinhas diminutas, a retirada
cuidadosa do conteúdo da cápsula. Com alguma licença poética, pode-se ver Deusa
com um monóculo daqueles usados por relojoeiros em total absorção em seu ofício
fatal.
De repente, a
dúvida. Quantas bolinhas seriam necessárias para dar cabo da mulher odiada?
Decidiu-se, enfim, por quantas coubessem no recipiente. Faltava-lhe a sutileza
e a arte de um serial killer daqueles filmes de suspense. A delicadeza deu-se
num único momento. À hora certa, levou um copo d’água na pequena bandeja com a
cápsula envenenada com o rodenticida.
Era um momento
eletrizante. Havia excitação e medo. Havia ódio puro, associado à satisfação de
um desejo que agora era realizado. Havia dúvida se o plano funcionaria. A
dosagem seria suficiente? Ela nunca pensara no depois. Estava tomada de um
frenesi homicida, não havia depois, apenas o êxtase de dar cabo de seu objeto
de ódio. Pensara na fuga, voltaria à sua terra e para isso comprara passagem
antecipadamente, mas era uma fuga tosca para o Maranhão, seu torrão, sua
paixão, que a expulsara madrastamente para outros mundos em busca de dias
melhores. Agora era como uma mãe que lhe acolheria do castigo certo.
Terminado o
ato, tratou sua patroa com peculiar decência, fez ligeira reverência e
retirou-se. Ela se permitiu um último deboche. Um leve tripudiar sobre o que
considerava injustiças sofridas. Naquele instante, ela se sentia imensamente
poderosa. Tinha um segredo mortal, passara a linha limite que mantém a
sociedade ligeiramente em equilíbrio, antes de sucumbir ao estado de natureza. Só
ela sabia e isso a fazia se sentir única. Segue-se a este clímax a internação
da patroa, a descoberta de tudo. Sua fuga assinou sua culpa e a prisão no
aeroporto. Presa, ela apenas confessou que, sim, envenenara a mulher. Eis tudo.
Eu, todos os
leitores, ficaríamos nos contorcendo, em suspense a perguntar: Por quê? A
notícia calava. Deusa calou. A mulher moribunda nada disse. A polícia nada
sabia. Os leitores desamparados criaram fóruns para sugerir razões. Numa rede
social, nasceu a página ensandecida: “Deusa, a redentora”. Isto porque se
descobriu que a vítima fora prefeita, deputada, em suma, fora política. Deusa
encarnava a libertação, a revolução contra os políticos corruptos. Seu lema
era: domésticas do Brasil, uni-vos. Políticos, tremei!
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