domingo, 19 de outubro de 2014

O Juiz

O barquinho precário flutua estático no meio do lago. Eles falam de coisas muito antigas, de antes de se desencontrarem. O pai, ao contrário do que sempre fez, aceita do filho a bala de algum doce. Diz as palavras que costumava dizer o filho quando pequeno ou se lembram disso juntos. Eles estão ali se reencontrando de forma definitiva. O pai diz, repisando uma conversa tida antes. Hoje eu acho que você é o melhor advogado de todos. O filho não sabe o que dizer. Era um reconhecimento, um prêmio. O silêncio enche o ar. Eles se miram encadeados pelo sol.
Ao falar, o pai tinha o papel da bala na mão. Gesticulava com ela presa entre dedos. O filho, que fora pego de surpresa com o elogio, resolve mudar de assunto. Era muito sentimento. Talvez o barco não aguentasse. Aposto cinco dólares que pego um peixe primeiro. Vira-se para o lado e lança a linha. Queria competir para rir, contar vantagem depois, vangloriar-se sobre o perdedor, mostrar o peixe, por menor que fosse. O papel, que estivera preso entre dedos, cai no fundo do barco. A câmera acompanha o papel insignificante. Então sabemos. O pai se foi e o filho, diante do silêncio, voltara-se para instigar o pai à competição de pescaria. Então vê o que víramos antes. A câmera afasta. O corpo do pai jaz pendido para o lado, um convite para que o filho se aproxime para abraçá-lo ternamente.
É um fim feliz. Até chegar a este momento, há um rio de história com tantos desencontros, raiva, não ditos, incompreensões. Parece que somos peritos nisso. Talvez seja a velha história repetida tantas vezes. Um filho se vai, parte em fuga, parte ferido deixando outros feridos. Depois, a história se enrola em si mesma ou como um bumerangue que volta à mão de seu lançador e o exilado precisa voltar. Lá, à sua espera, estão as pendências acesas e vívidas prontas para cobrar consertos.
O filme “O Juiz” começa leve, mas vai se complicando quadro a quadro. Outros ingredientes vão entrando agressivos e vão modelando os personagens que se batem entre si em busca do reparo de velhas dores. É comovente, alegre, dolorido, parecido com a vida.

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