domingo, 5 de outubro de 2014

Bolsa-espertofone



Com o objetivo de ensinar boas maneiras aos seus cidadãos, o governo norte-coreano publicou uma reportagem chamada “Etiqueta para conversar ao telefone” em uma revista estatal especializada em estilo de vida.

Fonte: Exame.com (30/09/2014)

Havia enorme apreensão quanto a liberar celulares no país. Imagine as pessoas podendo ligar pra quem quisessem. Imagine as pessoas conversando e perdendo tempo em vez de produzir para a pátria. Todos os minutos somados com o desperdício ao celular traria o caos. Mas o pior de tudo, alarmavam-se os camaradas dirigentes, vai ser a possibilidade dos cochichos antipatrióticos que o povo pode fazer. Mas camarada diretor, a gente faz que nem o Obama, põe escuta universal. Em qualquer esquina da nossa vizinha China se vende aparatos para este fim. Moleza.
Camarada diretor ficou mais tranquilo. Até alegrou-se com a ideia de maior controle sobre os infelizes coreanos nortistas. Todos acharam a saída muito boa e alegremente passaram a deliberar sobre a instalação da telefonia celular na nação. Mas camarada diretor, não seria de bom alvitre estabelecer algumas normas para que as pessoas usem o aparato de forma educada e de acordo com a vontade de nosso supremo líder? Imagine se alguém dá uma risada ao celular justo no dia da gloriosa morte de nosso fundador que, como se sabe, é terminantemente proibido?
Todos novamente concordaram. Embora este camarada cheio de ideias já aborrecesse camarada diretor que se via ameaçado pelo desembestado proativismo do colega. Resolveu dar ideias também. Pois bem, direi as regras. Todos atentos, circunspectos. Pigarreou, não lhe vinha nada à mente. Os olhares dirigidos, um riso disfarçado no camaradinha infernal cheio de propostas, aquilo lhe acendeu a ira. A reunião está encerrada! Amanhã, aqui, no mesmo horário, trarei a lista para vossa aceitação. Saiu-se bem, ganhou tempo, pensou autoindulgente.
Em casa, embatucado. Andava pra lá e pra cá. Até que lhe veio uma luz do camarada Kim Il-sung, com ligeiro bafejo inspirativo do finado grande pequeno líder, Kim Jong- il. Regra 1. Etiqueta. Deve-se dizer: Alô e imediata identificação. Não se deve parecer rude. Regra 2. Espera-se que o atendente diga também Alô e o nome. Regra 3. Deve-se usar sempre o termo “camarada” antes do nome, a bem da boa educação nacional. Regra 4. Encerrar a conversa com desejos de bons augúrios em nome de nosso plenipotenciário presidente eterno e grande líder. Fim.
A genialidade do costume espalhou-se pelo mundo e foi bem vista pela camarada, candidata a presidente da República do Brasil, Chiquitita Genro (devia ser nora ou sogra, mas um escrivão do cartório, bêbado, errou ao grafar o registro). Em suas perorações asmáticas, defendeu o novo costume em terras tupiniquins, para alegria de alguns camaradas nacionais.
Pareceu bem à indisfarçada camarada Bilma que a ideia fosse parte de um plano maior, uma lei, um estatuto, para sua próxima esperada e desejada salve, salve, estadia no Planalto. Importaria camaradas coreanos para aplicar a nova técnica junto aos bolsistas nos fundões do Brasil que, como é sabido, não tem modos e basta uma conversinha errada que invadem as Caixas e quebram tudo por medo de perder a maciota do dinheirinho pingado sem esforço nenhum.
Houve um rebuliço na eleição. Parte da zelite branca de olho azul espoletou-se. Queriam comprar seu espertofone e falar do jeito que lhe dessem na telha, seja onde fosse. Invasores de prédios e terras, qualquer tipo de minoria existida a partir de duas pessoas, receberá um espertofone – clamou Bilma, percebendo a boa veia populista que isso produzia – encomendado a um conglomerado chinês com duzentos tipos de funções, inclusive faz café e lava pra fora a fim de aumentar os ganhos destes menos desfavorecidos.
Foi só dar a ideia que Bilma começou a subir nas pesquisas. Mas ela também dizia que seus concorrentes fariam de tudo para acabar com o bolsa-espertofone. Dona Marinada não sabia o que fazer e apenas dizia que nunca tomaria um espertofone de ninguém, que aquilo era acusação falsa e chorava pelos cantos. Seu Décio, outro candidato, vociferava qualquer coisa contra as duas outras. Um certo Verde estava ocupado demais com sua lombra, não dava conta de nada. 
Acabou uma primeira rodada da eleição e a nação aguarda as novas regras educativas, ou seja lá o que for que aconteça no pleito.

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