Fonte: Revista Veja
(09/07/2014)
Estava determinado a
não tocar no assunto. Resisti até mesmo às inúmeras versões de teorias
conspiratórias que inundam o whatsapp sobre a venda da copa. Mas, eis que ao ligar
o rádio distraidamente, ouço que certo jogador alemão, o simpático Lukas
Podolski, havia postado numa rede social uma defesa apaixonada pela seleção
brasileira que sofre uma avalanche de análises, insultos e pesares perplexos
mundo afora.
Lamento por hoje,
Gisele, você que não perde oportunidade de citar a coluna pelo humor que ela
pretende. Você que tem um sorriso eterno estampado no rosto. Mas não sei se
riremos juntos neste texto.
Voltando. Dizia que
Podolski defendeu a seleção brasileira que chamou carinhosamente, num texto
escrito em português – outra delicadeza – de amarelinha, uma atitude
cavalheiresca que, parece, é a mesma dos demais membros do elenco alemão,
inclusive de seu técnico.
A tal rádio, em uma
nota jornalística, citou a atitude do jogador Podolski e reproduziu um trecho
de sua fala: Respeite a
amarelinha com sua história e tradição. O mundo do futebol deve muito ao
futebol brasileiro, que é e sempre será o país do futebol. O final da frase ficou
ecoando em minha cabeça. E me peguei dizendo para mim mesmo: Não, eu não quero
ser o país do futebol. Lembrei inúmeros artigos que dissecaram o tal desastre
futebolístico e terminavam, lembrando Jó, como consoladores molestos: ainda
somos ou sempre seremos o país do futebol.
É preciso ler o texto
inteiro de Podolski. Por que o quero ser ou onde quero estar é no segundo
parágrafo de sua fala: A vitória é consequência do trabalho. Viemos
determinados... Eles, diferentes da nossa amarelinha, cujos membros
aparecem ao lado de necessitados como parte do marketing pessoal ou do
conjunto, não apenas posaram com índios aculturados – fantasiados com penas de
galinha – no sul da Bahia. Reza a lenda que além da construção de um centro de
treinamento em tempo recorde, com a famosa eficiência alemã, olharam o entorno
e se comprometeram a construir, não uma, mas duas escolas. Enquanto isso, um
viaduto da tal mobilidade urbana da copa desaba, como se fosse feito de meleca
e mata dois, curiosamente, na cidade da chamada hecatombe futebolística brasileira.
Mineiraço: será assim que o chamarão doravante?
Não quero ser o país do
futebol e detesto esta patriotada de rompante que emerge a cada quatro anos.
Este ufanismo tolo de que com brasileiro não há quem possa. Já viram que as
bandeirinhas sumiram dos carros? Pois desafio aos patriotas de temporada a
usarem bandeirinhas até os farrapos por nada. Ganhando ou perdendo. Na eleição
que se aproxima. Como um voto-flâmula que tremula cidadania. Com um cidadão, aí
sim, não há político que possa.
Não quero ser país do
futebol. Quero ver mais trabalho sério, econômico, eficiente e decente dos
dirigentes do futebol, dos políticos que com eles se amancebam. Estádios de
bilhões e ainda por cima inacabados? Dispenso. Mobilidade urbana fuleira?
Renego. E nunca fui contra a copa no país. Quero ser o país da educação, da
saúde mínima garantida e não de pirotecnias politiqueiras criminosas, como se
vê no Maranhão. Quero que a educação seja boa para que o brasileiro médio –
preto, branco, índio, amarelo e pardo – tenha o direito, por mérito, de alçar
lugares melhores na vida e não dependa de cotas que dizem promover justiça,
enviesada e extemporânea, ou bolsas miseráveis que tem porta de entrada e não
de saída. É mais fácil criar cota do que melhorar a educação. E que esta seja
mais profissional e menos pelega na sinérgica incompetência dos administradores
públicos com professores que mais fazem greve que dão aula e quando dão, tornam
o estudante duas vezes mais desinteressado e fracassado.
Detesto quando, ao
viajar, ou conhecer um estrangeiro, eles citem nomes de jogadores como se todos
nós só fizéssemos isso na vida. Cadê o estadista brasileiro? Onde anda aquele
prêmio Nobel que revolucionou algo do conhecimento? Aquele criativo inventor
que mudou uma comunidade inteira e virou notícia? Cadê a notícia de melhoras no
ranking educacional comparado com outros países? No último, entre 40 nações
mais desenvolvidas, ficamos em 38º lugar. A Argentina está um ponto à frente.
Só falta ganhar a copa no Maracanã.
Vamos aproveitar que
fomos ao fundo do poço – é assim que estão retratando o país depois da derrota
– e vamos refundar o Brasil (exagero?). O momento eleitoral é propício. Do
fundo, só resta subir. Não creio que qualquer das opções políticas tenha
capacidade e compromisso de fazê-lo, mas já será alguma coisa se, em vez de
votarmos em miragem, desfaçatez mimetizada de compromisso social, incapacidade
edulcorada de bravatas, cinismo escamoteado de falsa ideologia, votarmos com
realismo.
Lukas Podolski percebeu
um país que derrapa ao citar a convulsão das ruas – atiçadas por grupos com
apoio do próprio governo que lhes dá guarida e dinheiro público –, mas também
viu que neste país (cito sua fala agora) tem um povo maravilhoso, um povo
humilde e honesto. Um país que aprendi a amar. E eu acrescentaria: que todos
nós precisamos aprender a amar a cada dia. Mas se você quiser, pode mandar a
seleção e a CBF tomar no fuleco.
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