Bright-sided: How the relentless promotion
of positive thinking has undermined America. Em tradução livre, algo como: O
lado ruim das coisas: como a promoção incansável do pensamento positivo
prejudicou a América da jornalista Barbara Ehrenreich (ed. Record) é uma
análise implacável do pensamento positivo. O título é pretensioso,
particularmente quando pretende explicar algo tão complexo em apenas 235
páginas e citações basicamente de jornais e revistas e visitas in loco a igrejas e universidades feitas
pela jornalista na fase de reunião de dados para o livro.
Nos EUA, a
obra foi publicada logo após a explosão da bolha imobiliária, 2009, o que
sugere algum oportunismo da autora, considerando que o mundo inteiro já sofria
com o desastre dos títulos podres que alimentavam a ciranda financeira
americana um ano antes. Não tira o mérito da autora, pois, aparentemente, já
havia escrito artigos anteriores questionando algumas das manifestações mais
evidentes desta visão. Em particular, criticando a psicologia positiva que, no
período anterior, foi catapultada à abordagem queridinha de muitas
universidades americanas entre outras mundo afora. Barbara Ehrenreich dedica um
capítulo inteiro para cutucar os “buracos” da teoria de Martin Seligman e
outros, incluindo a descrição de parte de uma entrevista que realizou com o
próprio.
No Brasil, a
obra ganhou o título comercial de “Sorria: como a promoção incansável do
pensamento positivo enfraqueceu a América”. O Sorria está na capa com letras
garrafais e foi assim que chamou minha atenção, por ironia, despejado na sessão
de auto-ajuda.
A autora
inicia falando de sua própria experiência com um câncer de mama e as diversas
ações não médicas de apoio aos pacientes e de como isso a fez entrar em contato
como a filosofia positiva. Destaca o quase ridículo de algumas posturas que
colocam a paciente na incrível situação de, pela visão positiva, força do
pensamento, visualização, etc, etc fazer sucumbir a doença. Questiona a culpa
que isso pode produzir caso não consiga. Ela mesma se diz alvo de críticas
quando questionou esta postura num site especializado. Não ser positivo nestas
questões e noutras, significa, não que a pessoa seja realista, mas simplesmente
uma ave de mau agouro. Se fosse na igreja, seria falta de fé.
O fenômeno,
segundo Ehreinreich, explica claramente a onda da teologia da prosperidade e as
festejadas e bafejadas megaigrejas de pastores como Rick Warren e assemelhados
que, no Brasil, vendem horrores e fazem a cabeça de muita gente. Mas suas
baterias se voltam em especial a um tal Joel Osteen que lidera uma igreja em
Houston, Texas, com 16 mil lugares.
Vende livros como água e está riquíssimo, embora seu público seja de pessoas de
classe média e baixa, as principais vítimas da crise americana. Barbara
questiona não só a lógica dos livros de Osteen, mas a própria indigência de
suas ideias e a forma de apresentá-las.
Ainda no campo
religioso, faz duras críticas ao mundo calvinista e à filosofia de vida que
produziu. Aqui se sente o azedo de seu ateísmo. Precisa aprender com seu colega
de descrença, o filósofo suiço Alain de Bolton. O Calvinismo foi trazido pelos
imigrantes originais e forjou a sociedade americana. A visão da salvação
calvinista é predestinista, mas, para o fiel, como saber se é predestinado ao
céu?, argumenta a autora. A regra seria abster-se de toda e qualquer coisa que
lhe desviasse do santo caminho (os prazeres de qualquer espécie) e se ocupasse
com coisas produtivas. Além disso, dever-se-ia fazer exames regulares de
consciência em busca de qualquer pecado que poderia lhe retirar o paraíso.
Barbara afirma que a contradição desta lógica se deu no final do século XIX com
a Consciência Cristã de Mary Baker Eddy, entre outros.
No século XX,
destaca particularmente o pastor Norman Vicent Peale, autor do clássico “O
poder do pensamento positivo”, publicado em 1952 e até hoje no catálogo de
vendas. Peale é o papa do pensamento positivo e se autodenominava doutor em
terapia espiritual. É a inspiração de todos os pastores positivos e teólogos da
prosperidade.
A visão
positiva, segundo registra Ehreinreich, invadiu o mundo corporativo, a ponto de
pessoas serem demitidas apenas porque ousavam ver que o rei estava nu. Esta
exuberância alimentou ganhos financeiros cada vez maiores e levou a classe
trabalhadora a endividamentos impagáveis e à dêbacle econômica que se seguiu
com milhões de postos de trabalho perdidos e empobrecimento. Tudo porque o
mantra dito e redito por todos, das igrejas aos CEOS das maiores empresas, do
governo ao pequeno comerciante, era que tudo daria certo, era só acreditar. Eis
uma fé profana. Claro que isso cheira a irracionalidade, mas ninguém queria ser
o primeiro a dizer que o barco estava afundando e que o edifício de cartas não
se sustentaria. Houve raras exceções.
Ehrenreich não
faz concessões à visão positiva. No campo clínico, talvez porque sofreu com a
doença e o constrangimento de ter que pensar positivamente, Barbara não
pesquisou que a postura correta da psicologia é a de acolhimento seja o que for
que este paciente manifeste. Ajudá-lo a elaborar sua perda (luto), fortalecer sua
autoestima, não a troco de palavras de efeito, mas no suporte ao seu momento de
dor. O psicólogo anda com, não é um tambor marcador de tempo de remadas das
Galés. A psicologia pode ser imensamente útil na compreensão do momento de vida
pela qual o paciente passa e, com isso, contribuir para sua qualidade de vida. Não
vende ilusões. Trabalha com a verdade do fato, do paciente e de sua formação.
Além dos
pastores positivos e seus livrinhos água-com-açúcar, que não falam mais em
pecado ou condenação eterna, Barbara critica duramente aos coaches vendedores
de sonhos esmolambados que subiram às alturas no circuito empresarial
americano, seja enganando os funcionários ou aos próprios diretores e CEOS que
preferiam ouvir que o pensamento sozinho pode mudar qualquer situação, a estudar
os relatórios e números que diziam que seu comportamento subvertia os
princípios econômicos básicos. Um de seus alvos principais é a australiana
Rhonda Byrne, autora do ridículo “O segredo” onde defende a “lei da atração” e
que a enriqueceu estratosfericamente.
Apesar de tudo
que aconteceu, o pensamento positivo irresponsável não dá sinais de fim. Ele,
como um camaleão, simplesmente muda e ajusta suas explicações. A psicologia
positiva, depois de subir aos céus, está em crise mortal pela simples falta de
suporte científico. Segundo conta, Seligman mudou o discurso – a ver se
renegará seus escritos – e parece ter se voltado para um caminho que não fica
claro se de tentativa de salvação da psicologia positiva ou de mudança de seu
paradigma, donde não seria mais psicologia positiva. Os coaches ainda ganham
dinheiro com seus encantamentos, sempre há otários e símplices dispostos a
ouvi-los e pagar por sua baboseira. Os pastores, estes parecem continuar imunes
ao fracasso de suas ideias heréticas. As prateleiras andam cheias de seus
livros e as igrejas, quais sanfonas, incham e esvaziam ao sabor de mais uma
patacoada da moda. Até quando?
Por isso tudo, vale a
leitura. Concordando ou discordando com Ehrenreich ao final você, que estava em
dúvida, ficará um pouco mais esperto. Quanto ao tolo, este não tem salvação.
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