domingo, 6 de outubro de 2013

Desculpa, ‘fessor’.

Uma foto publicada por um policial militar do Rio em seu perfil do Facebook "Tiago Tiroteio" causou repúdio na internet. Na imagem, o PM aparece fardado mostrando um cassetete quebrado com a legenda "Foi mal, fessor", numa referência à atuação durante protesto de professores em greve.

Fonte: G1 04/10/2013

Ainda lembro com aguda nitidez. Em semicírculo, de pé, éramos perguntados aleatoriamente sobre operações da tabuada. Adição e subtração. Era um tempo que se desconhecia o método freiriano e nem se podia conhecê-lo, perdido num grotão que mal se dava conta do mundo externo. Decorava-se tudo: de tabuada a conjugação verbal. E o porquê das coisas? Que se dane! O mundo simplesmente surgira do nada e um pretérito mais-que-perfeito do indicativo de um verbo era assim porque era: carne de cabeça, contrapeso e rabo.
Perco-me, perdoem o devaneio. Então estávamos lá, cada qual respondendo rápido antes da reguada comer. Repentinamente a mulher pergunta uma adição qualquer e eu, ágil, memória de curto prazo tinindo, respondo tão rápido quanto o pensamento, orgulhoso de mim mesmo. A mulher retruca: noves fora? Branco. Mutismo. Espanto. Noves fora??? E nem me recuperara da arapuca, a reguada atingiu meu braço. Um ardor insuportável e tive que engolir o choro, não a lágrima. Essa escorreu num amálgama de ódio daquela louca do noves fora, a vergonha e a dor. Digo régua pela aparência, a maldita peça nunca mediu nada. Estava lisa de acertar cocorutos, braços e pernas. Media nossa ignorância. Media a brutalidade da sádica.
Era um tempo em que, dizem, os professores eram respeitados. Não sei. Um tempo de medo. Certamente era uma profissão melhor avaliada socialmente. Filha normalista era coisa importante. Olhávamos as professoras com admiração e às mais novas com primeiras paixões ultra platônicas que dava vergonha só de imaginar que o pensamento podia ser ouvido. Às mais velhas, mãezonas, vovozinhas que logo éramos obrigados a cumprimentar na rua e ouvir histórias de nossas peraltices, mas éramos inteligentes que só vendo, diziam.
A profissão desceu ladeira abaixo em quase tudo. Está dividida entre uma metade que passa parte do ano em greve e outra parte que se doa ao seu mister.  Ambos na pior. Professor que se dá bem, só técnico de futebol. Se for de time grande e ganhar alguma coisa. Na primeira escorregadela, a torcida lhe pede a cabeça com o singelo epíteto de burro encaixado no nome, se não coisa pior.
E assim chegamos ao atual estado de coisas. Tiago, autodenominado “tiroteio”, aparece feliz e orgulhoso no facebook postando uma foto em que apresenta um cassetete quebrado. O primor de malícia estava na frase: “foi mal, fessor”. Ai! Nem imagino o estrago que essa ‘caneta’ pode fazer no corpo do professor grevista. Ainda menos a força para quebrá-lo, pois, parece-me, é coisa feita para resistir a impactos. Uma vingança do policial que guardou anos e anos o trauma de um ‘fessor’? Só investigando.
        O bruto, descoberto, negou peremptoriamente. Seu ‘adevogado’ disse que aquele no face não pode ser o próprio, que outro postou em seu lugar. Um sósia inimigo. Que estava aquartelado, sem acesso a esta rede do capiroto. Que na internete se faz coisa do arco-da-velha, mesmo subverter a realidade. Me digam, como é que pode este brioso servidor da segurança pública estar saracoteando numa rede social e num quartel? Dedo em riste: ao mesmo tempo! Vocês nem sonham o que se faz com um photoshop, disse. Que a frase até pode ter sido do vacilão, quero dizer, cliente, mas foi por um pisão no pé do docente. Que a frase, afinal, é um primor de urbanidade e educação com ênfase no ‘fessor’, forma mais que carinhosa dita ao mestre com amor.

PS. A charge do Alpino pode ser encontrada no blog que ele mantem no Yahoo. É um dos melhores chargistas em atuação no país.

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