Uma foto publicada por um policial
militar do Rio em seu perfil do Facebook "Tiago Tiroteio" causou
repúdio na internet. Na imagem, o PM aparece fardado mostrando um cassetete
quebrado com a legenda "Foi mal, fessor", numa referência à atuação
durante protesto de professores em greve.
Fonte: G1 04/10/2013
Ainda lembro
com aguda nitidez. Em semicírculo, de pé, éramos perguntados aleatoriamente
sobre operações da tabuada. Adição e subtração. Era um tempo que se desconhecia
o método freiriano e nem se podia conhecê-lo, perdido num grotão que mal se
dava conta do mundo externo. Decorava-se tudo: de tabuada a conjugação verbal.
E o porquê das coisas? Que se dane! O mundo simplesmente surgira do nada e um pretérito
mais-que-perfeito do indicativo de um verbo era assim porque era: carne de
cabeça, contrapeso e rabo.
Perco-me,
perdoem o devaneio. Então estávamos lá, cada qual respondendo rápido antes da
reguada comer. Repentinamente a mulher pergunta uma adição qualquer e eu, ágil,
memória de curto prazo tinindo, respondo tão rápido quanto o pensamento,
orgulhoso de mim mesmo. A mulher retruca: noves fora? Branco. Mutismo. Espanto.
Noves fora??? E nem me recuperara da arapuca, a reguada atingiu meu braço. Um
ardor insuportável e tive que engolir o choro, não a lágrima. Essa escorreu num
amálgama de ódio daquela louca do noves fora, a vergonha e a dor. Digo régua
pela aparência, a maldita peça nunca mediu nada. Estava lisa de acertar
cocorutos, braços e pernas. Media nossa ignorância. Media a brutalidade da
sádica.
Era um tempo
em que, dizem, os professores eram respeitados. Não sei. Um tempo de medo.
Certamente era uma profissão melhor avaliada socialmente. Filha normalista era
coisa importante. Olhávamos as professoras com admiração e às mais novas com
primeiras paixões ultra platônicas que dava vergonha só de imaginar que o
pensamento podia ser ouvido. Às mais velhas, mãezonas, vovozinhas que logo
éramos obrigados a cumprimentar na rua e ouvir histórias de nossas peraltices,
mas éramos inteligentes que só vendo, diziam.
A profissão
desceu ladeira abaixo em quase tudo. Está dividida entre uma metade que passa
parte do ano em greve e outra parte que se doa ao seu mister. Ambos na pior. Professor que se dá bem, só
técnico de futebol. Se for de time grande e ganhar alguma coisa. Na primeira
escorregadela, a torcida lhe pede a cabeça com o singelo epíteto de burro
encaixado no nome, se não coisa pior.
E assim
chegamos ao atual estado de coisas. Tiago, autodenominado “tiroteio”, aparece
feliz e orgulhoso no facebook postando uma foto em que apresenta um cassetete
quebrado. O primor de malícia estava na frase: “foi mal, fessor”. Ai! Nem
imagino o estrago que essa ‘caneta’ pode fazer no corpo do professor grevista.
Ainda menos a força para quebrá-lo, pois, parece-me, é coisa feita para
resistir a impactos. Uma vingança do policial que guardou anos e anos o trauma
de um ‘fessor’? Só investigando.
O bruto, descoberto, negou
peremptoriamente. Seu ‘adevogado’ disse que aquele no face não pode ser o
próprio, que outro postou em seu lugar. Um sósia inimigo. Que estava
aquartelado, sem acesso a esta rede do capiroto. Que na internete se faz coisa
do arco-da-velha, mesmo subverter a realidade. Me digam, como é que pode este
brioso servidor da segurança pública estar saracoteando numa rede social e num
quartel? Dedo em riste: ao mesmo tempo! Vocês nem sonham o que se faz com um
photoshop, disse. Que a frase até pode ter sido do vacilão, quero dizer,
cliente, mas foi por um pisão no pé do docente. Que a frase, afinal, é um
primor de urbanidade e educação com ênfase no ‘fessor’, forma mais que
carinhosa dita ao mestre com amor.PS. A charge do Alpino pode ser encontrada no blog que ele mantem no Yahoo. É um dos melhores chargistas em atuação no país.
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