Ser pai é como passar de um
estado de viver nossa humanidade para outro, o de paternidade. Vocês me
perguntariam: pai não é humano? Digam vocês. Humano lato senso, sim, mas é pai,
algo do qual nunca se curará. Ninguém passa incólume por esta experiência. E
não importa em que tipo de pai um se tornou, as dores e alegrias serão
eternas... enquanto durarem.
Vinícius de Moraes tem uma
definição incrível para esta visceral “vivescência”. No Poema Enjoadinho, ele
começa com um despretensioso: Filhos... (parece pensar absorto) Filhos?
(espanta-se) / Melhor não tê-los! (tempo matutando) / Mas se não os temos /
como sabê-lo? (desperta do sono como que sacudido por um cutucão. Provavelmente
da mulher, namorada, que viu aquilo como um insulto a ela. Um descasamento que
já estava, para todos os efeitos, realizado em sua maternidade pródiga).
Mas... Ela linda, banhada de mar,
iodificada, queimada de sol, um morenaço. Resultado: filho. Então começa a aporrinhação.
Menino tá doente. Cocô tá branco. Cocô tá preto. Um se torna especialista em
cocô. Espanta-se, se o faz, olhando revistas, carrinhos, chocalhos, coisas
coloridas, móbile, roupinhas do Mickey. Compra uma bola para o garoto que ainda
levará 11 meses para andar. Com os amigos tem um tema: o filho. Nem se vê que
ficou chato pros sem filhos. Baba, enternecido pelo rebento. Amaldiçoa a noite
mal dormida com um choro inacabável que não há peito que dê conta ou porque o
menino decidiu trocar a noite pelo dia. Às duas da manhã balbucia e se ri... e
o pai se ri também e passa o sono.
Filhos? (espanta-se agora antes)
Filhos... (repensa) Melhor não tê-los (afasta a tentação... de olhar para a
mulher amorenada e na plenitude da fertilidade. Elas ficam assim, chamativas.
Resultado: filho de novo.) O maior enciuma. Mete o dedo na tomada. Masca
gilete. Enfia caroço de feijão no nariz ou no ouvido. Come sabão. Cada arte, um
susto. Corre para o pronto socorro. Afobam-se. O menino tá roxo,
escandaliza-se. Socorro, doutor!
Cãs prematuras. Cabelo raleado.
Prantos convulsos. Meu Deus, salvai-o! Livrai-o do malamém. Filhos são o demo.
(Exagero, puro exagero. Menino danado, não esgana o gato!) Melhor não tê-los.
Mas se não os temos / como sabê-los? (Ó dúvida cruel!) O que foi que ele
engoliu agora? E isso é cor de boletim, menino? É que faltou a tinta da caneta
azul da fessôra. Esse menino ainda me mata! Eu te mato, menino! Pra aprender,
uma dúzia de bolos. Oh!
Ah, filhos... Melhor... (a dúvida
continua, mesmo que eles estejam todos lá, meia dúzia). Se apanhar na rua, leva
outra surra em casa, diz uma mãe exaltada. Vou contar tudo pro teu pai. O que
foi? O júnior bebeu xampu. Ah é? Tá saindo bolha pela boca ou pelo nariz? Deixa
ver. Tá não. Tá respirando? Tá comendo banana. E o choro de quem é? É ele,
comendo banana. Então tá tudo bem, só não deixa ele engasgar com a casca.
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!”
Um belíssimo dia a todos os pais.
O “poetinha”, apelido que ganhou de Tom Jobim, teve nove mulheres e cinco filhos.
O texto acima foi inspirado (com excertos) no “Poema Enjoadinho” extraído do livro "Antologia Poética", do Vinícius de Moraes. Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 195.
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