terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O sequestro


Na Espanha, um garoto de 11 anos fingiu seu sequestro para evitar que os pais comparecessem a uma reunião escolar. A farsa envolveu cerca de cem guardas civis e durou duas horas, segundo o jornal espanhol "La Voz de Galicia". O incidente aconteceu no município de Xinzo de Limia, na província de Ourense. Para que os pais não descobrissem suas notas baixas, o menino decidiu criar uma história.

Fonte: Do UOL Educação, em São Paulo (22/01/2013)

Paco estava aterrorizado. Naquela escola moderna os garotos recebiam o boletim, analisavam as notas se boas ou ruins e discutiam em classe as razões. Só que seu boletim parecia uma hemorragia de tantas notas vermelhas. A vista escureceu, tal seu choque. Passou as mãos nos olhos como que para limpar aquela nuvem de areia que se apegou às suas órbitas, cegando-o. O documento era um borrão vermelho de garatujas indistinguíveis.
Os colegas falavam animadamente, inclusive alguns que, como ele, não tinham ido tão bem nas notas. Mas aquilo era, para ele, o dia 21 de dezembro que não aconteceu. Maias burros, nem um calendário sabiam fazer! Sua hecatombe esperou a antevéspera do carnaval para desabar sobre sua pobre vida. E ele que pensava que primeiro vinha a farra e só depois a quaresma e suas penitências pelos excessos. No seu caso, nunca havia muito pelo que pagar.
A professora perguntava um por um aos alunos. Paco não sabia o que era moderno naquela pedagogia. Suspeitava que o método não passava de uma espécie de caças às bruxas. A professora não parecia se intimidar em mostrar publicamente seu regozijo diante do desastre de alguns. Ele havia percebido uma baba no canto da boca da mestra quando Dolores disse que havia tirado zero em matemática? Sim, ela havia se deliciado. Então, a tal pedagogia do desoprimido era uma desculpa para gozar o desespero alheio. Aquela mulher era uma espécie de vampira de emoções. Só que ela sugava medo e angústia dos outros.
Para sorte de Paco, ela não estava perguntando em ordem alfabética, mas pelos que sentavam nas primeiras fileiras até as últimas. Os fracassados teriam seus nomes escritos num mural. Os pais seriam chamados e, com pompa e circunstância, o boletim seria dado com ênfase no fracasso, mas disfarçado de bons modos e de muitas sugestões de como aquele menino ou menina poderiam melhorar. Os pais, envergonhados, pediriam desculpas, diriam que tudo iria melhorar e tal, enquanto engoliam em seco sua vergonha.
Os pais de Paco eram especialmente zelosos com suas notas. Na Espanha, nem com boas notas se consegue trabalho, imagine com ruins. Seja um bom aluno, emigre para os EUA ou Brasil e ganhe dinheiro e saia desta miséria de país. Você já perdeu sua oportunidade de ser um bom jogador com estas pernas tortas de sua mãe. Com elas, nem Garrincha conseguiria jogar. Assim discursava o pai de Paco.
O fato é que, quando chegou sua vez, nada disse. Aguentou calado a docente louca tripudiar com refino e classe. Ironizando, sendo sarcástica, mas tudo com delicadeza, que é quando mais dói. Foi para casa, arrasado, desconcertado e pensando na desgraça que se abateu e seus desdobramentos.
O que fazer? Fugir? Forjar um boletim falso? Pedir o boletim emprestado do colega cdf? Pensava em desespero. Mas cada ideia era menos convincente que outra. Um sequestro! Diria que um etarra o sequestrou, mesmo que estes estejam pedindo penico ao governo. Se esconderia por um tempo. Mandaria torpedos, ligaria aos gritos, ainda pareceria forte e destemido com sua resistência ao sequestro. Seria lembrado até o fim do século, se tornaria herói. Quem lembraria daquele boletim nefasto? A esta altura, Paco já estava no domínio do delírio. O desespero nunca é bom conselheiro.

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