terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A Viagem (Cloud Atlas)

Eu estava curioso para ver o filme desde sua primeira divulgação no Brasil. Talvez porque tenha entre seus atores o Tom Hanks, de quem gosto. Mas estão lá também: Susan Saradon, Hugh Grant, Halle Berry e outros não tão famosos, mas conhecidos. Não li qualquer sinopse antes de assisti-lo, portanto não tinha a menor ideia com o que iria me deparar. Por outro lado, um filme dos irmãos Wachowski (Andy e agora, Lana) – triologia Matrix – conta muito.
A primeira meia hora do filme é um desafio. Trechos das histórias vão sendo apresentados. Um pouco de uma, corta, um pouco de outra, corta. De repente comecei a contar quantas pessoas abandonavam a projeção. Muita gente. Acrescente-se os comentários no final ou mesmo durante o filme. Ouvi muito: não entendi. Na segunda vez que assisti havia menos gente, mas de novo contei os que abandonaram o barco. Menos, desta vez.
O filme se baseia num livro chamado Cloud Atlas, de David Mitchel, ainda sem tradução em português. Seis histórias se entrecruzam ao longo de vários momentos temporais que começa em 1849 e vai além de 2144, num momento não datado, 106 anos depois de um evento que se chama A Queda. Quatro histórias se intercalam entre estes extremos. Uma em 1946, outra em 1973, ainda outra que ocorre em 2012 e, por fim, outro episódio em 2144.
Por causa disso, o filme foi entendido por muita gente como um libelo ao espiritismo, inclusive um crítico de Veja, que desancou o filme, obviamente por que não entendeu nada e não tem a mais remota ideia do que seja espiritismo. Um pequeno escorregão, para mim, pode levar a este equívoco. No início do filme, um dos vários personagens de Tom Hanks, Zachry, já velho, começa a contar a história como se fosse uma. Neste caso, como foi seu primeiro encontro com o Velho Georgie (Hugo Weaving, Mr Smith de Matrix). Uma espécie de diabo ou o Mal. Esta é outra curiosidade do filme. Todos os atores vivem vários personagens ao longo das seis histórias.
Descontado isso, reduzir o filme à mensagem espírita é ridículo. Do que se trata, então? Os protagonistas de cada história aparecem marcados por um sinal, como se fosse uma pequena tatuagem de um cometa. Cada qual encarna em sua vida, época, forma de atuar no mundo, a difícil luta de combater o Mal em suas múltiplas formas. Não se engane. Às vezes o mal é sutil, não arromba a porta, ele é sedutor, tenta convencer, burila argumentos quase justos, inadiáveis, protetores, quase verdadeiros.
O Mal é resistente, multifacetado. Ora é representado por um homem ganancioso, vil, traiçoeiro. Ora é um sistema opressor. Aliás, os sistemas opressores estão presentes em todas as histórias e tem caras humanas. Seja o regime de escravidão no século XIX, seja a Unanimidade que governa Nova Seul no século XXII. O discurso é o mesmo. O mais forte deve dominar e até comer o mais fraco, pois esta é a lei natural das coisas. O mal se alia/cria os sistemas e oprime, devora, recicla, determina a forma de viver e ser, sempre em nome de uma ordem que não deve ser mudada e qualquer tentativa de combatê-la, a consequência é a eliminação.
Os heróis de cada história não são anjos. São humanos que conservam a inquietude diante do mal. De alguma maneira se veem voluntária ou involuntariamente na linha de frente, resistindo, questionando, lutando com armas ou com a mente e pagando o preço por isso. Com suas ações, eles manifestam os valores de lealdade, amizade, respeito, coragem, justiça, verdade e solidariedade tão necessárias à vida.
Em cada momento, o Mal se transmuta numa forma, tem um discurso e uma prática, mas nunca muda sua essência. Do mesmo modo, aqueles que são marcados, de alguma maneira chamados, irão protagonizar a oposição a este mal com os mesmos valores.
Uma trama invisível nos conecta. O passado, presente e futuro, são tecido inconsútil de um mesmo grande desenho, a história humana. Cada ação tem consequência entre os que estão próximos ao que protagoniza e num futuro imperceptível. Um dos materiais que une as seis histórias é a arte. Ela se manifesta na escrita, na música, no cinema, na escultura. Cada qual, com sua mensagem, é como que uma testemunha, um agente catalizador, que despertará sabe-se lá que revoluções, sejam pessoais ou em toda uma comunidade não importa quanto tempo passe. Esta é a “eternidade” da arte.
Vale a pena ficar quase três horas (2h52m) no cinema? Vale. Você estará num carrossel de ideias provocantes. Muitas coisas em que pensar será seu prêmio, se você tem conteúdo para fazê-lo. À parte, a diversão de identificar que atores encarnaram quais personagens. Alguns não são tão fáceis quanto se imagina. A maquiagem fez um trabalho muito bom. Se não conseguir, ao final da projeção, nos créditos, eles serão mostrados.

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