segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O apocalipse do Silva


O mundo vai acabar às 16h desta sexta-feira (12). É isso que cerca de 120 pessoas em Teresina esperam que ocorra em pleno Dia das Crianças. Elas já se preparam o “juízo final” confinadas na casa de um suposto profeta.
Segundo o cearense Luiz Pereira, 43, radicado na capital piauiense, “a besta fera” vem acabar com o mundo nesta sexta-feira e só vão se “salvar os seguidores dele.”

Fonte: UOL (Aliny Gama - 12/10/2012)

Confesso que tenho uma queda pelos profetas do fim do mundo. Talvez mais alguns anos de terapia expliquem. O mais incrível, a história nunca muda. Um anjo segredou ao ouvido sacrossanto do profeta que dia tal, às tantas horas, este velho mundo terá, afinal, seu acerto de contas. A insistência com este enredo é inacreditável. Seria o mesmo anjo? Sabe-se que os anjos vivem pacas. Pacas?! Que seja. Ocorre-me que este tal anjo, só de troça, traquinas, moleque no sentido jocoso do termo, solte um hoax, um post falso na internete espiritual. Deve até usar uma daquelas máscaras do V de Vingança porque ainda não foi identificado.
Um anjo “aloucado” com uma ideia fixa me parece improvável, mas quem pode garantir o contrário? Prova é que a toda hora se marca o fim do mundo. O Silva, o profeta, não só ouviu dia e hora, como acrescentou um personagem que estava meio em baixa por estes dias: a besta fera. Em tempos em que os monstros que me aterrorizavam quando criança se tornaram brinquedos e protagonizam filmes sem conta na sessão da tarde, uma besta fera selvagem e destruidora daria um pouco de pimenta entre os monstros, ou não?
Quando Silva teve a revelação, tratou de espalhar para o máximo de gente. Um seguidor quis saber como era a besta fera ou os cães do Apocalipse. Ah, e os cavalos e cavaleiros do mesmo livro bíblico. Aquilo irritou Silva. Como diabos ele iria saber. Isso o anjo não disse. Respondeu que perguntaria ao anjo, se ele aparecesse de novo, pois a coisa seria tão feia, que ele, o anjo, tratou de ir passear noutras paragens da via láctea.
Que o profeta acredite, vá lá, ele ouviu. Tem os casos que o cara vê o mensageiro em pessoa ou seja lá o formato em que se apresente. Aquele seguidor, contudo, era uma espécie de Saraiva renascido. Queria detalhes do anjo e como, exatamente, teria dito a mensagem. Não é que não cresse, cria com fervor, estava embasbacado, era só curiosidade religiosa. Silva não sabia como sair daquilo. Inventou que a besta fera era que nem um jumento com chifes e dentes tão grandes que não cabiam na boca. Soltava fogo pelas ventas e dava coice que era capaz de virar um caminhão. Que comia gente e peidava soda cáustica. Que voava mais rápido que o Carcará do João do Vale.
Com o monte de gente vindo à casa do Silva para se abrigar, as autoridades responsáveis pelo departamento de notícias do fim do mundo ficaram atentas. Vizinhos maldosos e inimigos da causa falaram cobras e lagartos do Silva e sua horda de gente crente e doida para ver o mundo se acabar. Menos na casa do Silva, pois ali seria uma espécie de arca de Noé. Mais um clichê do script. E os animais, onde ficariam? Quis saber aquele crente. Silva disse que dessa vez até os bichos se acabariam. Ademais, a arca era pequena. E com um banheiro apenas. Por causa disso, Silva, que havia distribuído senhas para os que queriam adentrar à arca, teve que cortar a distribuição, pois a fila para as necessidades fisiológicas estava dobrando a esquina. Nem se fale que alguns fiéis resolveram despejar seus produtos por ali mesmo, em qualquer lugar, para espanto e indignação da vizinhança.  Era por pouco tempo, dizia Silva, logo o mundo se acabaria e eles nunca mais teriam que fazer necessidade.
O fato é que as autoridades da coordenação do fim do mundo se irritaram porque Silva agrupou o povo e lhes impedia das coisas mais comezinhas. Comiam do que se dava a eles. Mas comer para quê se o mundo vai se acabar? A gota d’água é que Silva impediu as crianças de irem à escola. Ora, que o mundo se acabe tudo bem, mas há que se instruir, manter certa normalidade e alterar o cotidiano caótico da pobreza do Silva e seguidores é como começar um fim de mundo bagunçado. Tudo precisa de certa ordem, inclusive o caos final. Na delegacia, Silva foi ameaçado de processo por abandono intelectual dos menores. A lógica dele, entretanto, era correta. Para quê aprender os noves fora se já se via os chifres da besta fera na esquina? Não era um desperdício?
Mas a coisa ainda pioraria. Um batalhão de policiais, a mando do serviço de controle de hecatombes, entrou à força na casa do Silva para arrancar as crianças de lá. Seriam enviadas para o Lar da Criança do Piauí, salvas da arca do Silva. Era uma crueldade, diziam oficiais do departamento de hecatombes, que se marcasse o fim do mundo justo no dia da criança.
As quatro da tarde chegaram, era a hora. Silva conclamou o povo a aperrear com as orações, clamores e rapapés. O sino da igreja deu quatro badaladas. Silêncio. Assuntavam. Uma sirene ecoou nas redondezas. Só podia ser o enviado da besta, e era, pelo menos para o Silva. Fora preso por que o mundo, afinal, teimava em não acabar.

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