O mundo
vai acabar às 16h desta sexta-feira (12). É isso que cerca de 120 pessoas em
Teresina esperam que ocorra em pleno Dia das Crianças. Elas já se preparam o
“juízo final” confinadas na casa de um suposto profeta.
Segundo o cearense Luiz
Pereira, 43, radicado na capital piauiense, “a besta fera” vem acabar com o
mundo nesta sexta-feira e só vão se “salvar os seguidores dele.”
Fonte:
UOL (Aliny Gama - 12/10/2012)
Confesso que tenho uma queda
pelos profetas do fim do mundo. Talvez mais alguns anos de terapia expliquem. O
mais incrível, a história nunca muda. Um anjo segredou ao ouvido sacrossanto do
profeta que dia tal, às tantas horas, este velho mundo terá, afinal, seu acerto
de contas. A insistência com este enredo é inacreditável. Seria o mesmo anjo?
Sabe-se que os anjos vivem pacas. Pacas?! Que seja. Ocorre-me que este tal
anjo, só de troça, traquinas, moleque no sentido jocoso do termo, solte um
hoax, um post falso na internete espiritual. Deve até usar uma daquelas máscaras
do V de Vingança porque ainda não foi identificado.
Um anjo “aloucado” com uma ideia
fixa me parece improvável, mas quem pode garantir o contrário? Prova é que a
toda hora se marca o fim do mundo. O Silva, o profeta, não só ouviu dia e hora,
como acrescentou um personagem que estava meio em baixa por estes dias: a besta
fera. Em tempos em que os monstros que me aterrorizavam quando criança se
tornaram brinquedos e protagonizam filmes sem conta na sessão da tarde, uma
besta fera selvagem e destruidora daria um pouco de pimenta entre os monstros,
ou não?
Quando Silva teve a revelação,
tratou de espalhar para o máximo de gente. Um seguidor quis saber como era a
besta fera ou os cães do Apocalipse. Ah, e os cavalos e cavaleiros do mesmo
livro bíblico. Aquilo irritou Silva. Como diabos ele iria saber. Isso o anjo
não disse. Respondeu que perguntaria ao anjo, se ele aparecesse de novo, pois a
coisa seria tão feia, que ele, o anjo, tratou de ir passear noutras paragens da
via láctea.
Que o profeta acredite, vá lá,
ele ouviu. Tem os casos que o cara vê o mensageiro em pessoa ou seja lá o
formato em que se apresente. Aquele seguidor, contudo, era uma espécie de
Saraiva renascido. Queria detalhes do anjo e como, exatamente, teria dito a
mensagem. Não é que não cresse, cria com fervor, estava embasbacado, era só
curiosidade religiosa. Silva não sabia como sair daquilo. Inventou que a besta
fera era que nem um jumento com chifes e dentes tão grandes que não cabiam na
boca. Soltava fogo pelas ventas e dava coice que era capaz de virar um
caminhão. Que comia gente e peidava soda cáustica. Que voava mais rápido que o
Carcará do João do Vale.
Com o monte de gente vindo à casa
do Silva para se abrigar, as autoridades responsáveis pelo departamento de
notícias do fim do mundo ficaram atentas. Vizinhos maldosos e inimigos da causa
falaram cobras e lagartos do Silva e sua horda de gente crente e doida para ver
o mundo se acabar. Menos na casa do Silva, pois ali seria uma espécie de arca
de Noé. Mais um clichê do script. E os animais, onde ficariam? Quis saber
aquele crente. Silva disse que dessa vez até os bichos se acabariam. Ademais, a
arca era pequena. E com um banheiro apenas. Por causa disso, Silva, que havia
distribuído senhas para os que queriam adentrar à arca, teve que cortar a
distribuição, pois a fila para as necessidades fisiológicas estava dobrando a
esquina. Nem se fale que alguns fiéis resolveram despejar seus produtos por ali
mesmo, em qualquer lugar, para espanto e indignação da vizinhança. Era por pouco tempo, dizia Silva, logo o
mundo se acabaria e eles nunca mais teriam que fazer necessidade.
O fato é que as autoridades da
coordenação do fim do mundo se irritaram porque Silva agrupou o povo e lhes
impedia das coisas mais comezinhas. Comiam do que se dava a eles. Mas comer
para quê se o mundo vai se acabar? A gota d’água é que Silva impediu as
crianças de irem à escola. Ora, que o mundo se acabe tudo bem, mas há que se
instruir, manter certa normalidade e alterar o cotidiano caótico da pobreza do
Silva e seguidores é como começar um fim de mundo bagunçado. Tudo precisa de
certa ordem, inclusive o caos final. Na delegacia, Silva foi ameaçado de
processo por abandono intelectual dos menores. A lógica dele, entretanto, era
correta. Para quê aprender os noves fora se já se via os chifres da besta fera
na esquina? Não era um desperdício?
Mas a coisa ainda pioraria. Um
batalhão de policiais, a mando do serviço de controle de hecatombes, entrou à
força na casa do Silva para arrancar as crianças de lá. Seriam enviadas para o
Lar da Criança do Piauí, salvas da arca do Silva. Era uma crueldade, diziam
oficiais do departamento de hecatombes, que se marcasse o fim do mundo justo no
dia da criança.
As quatro da tarde chegaram,
era a hora. Silva conclamou o povo a aperrear com as orações, clamores e
rapapés. O sino da igreja deu quatro badaladas. Silêncio. Assuntavam. Uma
sirene ecoou nas redondezas. Só podia ser o enviado da besta, e era, pelo menos
para o Silva. Fora preso por que o mundo, afinal, teimava em não acabar.
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