Os banheiros públicos de Pequim poderão ter
somente duas moscas cada, de acordo com novas regras aprovadas pela prefeitura
da capital da China.
A regra
curiosa faz parte de um novo esforço do governo local para melhorar as
condições de limpeza das instalações que, embora estejam presentes em grande
número, são alvo de críticas pelas más condições de higiene.
Fonte: BBC Brasil (23 de maio
de 2012)
Tudo começou quando li uma oferta
de trabalho nos classificados, doutor. Pensei: o emprego é moleza. Me diga: o
que pode ser mais simples que contar moscas? O emprego seguia um modelo chinês
que, por suposto, pedia paciência oriental. Os chineses inventaram um monte de
coisas, estiveram em baixa, mas agora estão com tudo. Foram eles, inclusive,
que inventaram a arte de pegar moscas em pleno ar com aqueles pauzinhos de
comer. Não, não precisa comer a mosca.
Eu deveria fazer uma ronda nos
banheiros públicos e averiguar se havia moscas ou não na quantidade determinada.
Mais que duas, eu capturaria o excesso com os tais pauzinhos. Ah, com um treino
especial que recebi, deveria classificar os odores e marcar numa tabuleta com
cores que ia do branco ao roxo. Não é tão ruim quanto parece. Digamos que me
tornei, a exemplo dos enólogos, provadores de café e charutos, um avaliador de
cheiros. Um perfumista ao contrário.
Uma equipe passava depois de mim
e, pela marcação na tabuleta, eles colocariam odorizador na quantidade adequada
para anular o mau cheiro. É verdade que o sucesso de tal trabalho depende de
uma sincronia perfeita entre os contadores de moscas e avaliadores de cheiro e
a equipe de desifecção odorífera. Com o tempo um se acostuma, eu só não sabia
que perderia meu olfato. Doutor, aquilo é corrosivo, abriu um buraco na minha
mucosa nasal, ó.
O salário? Eu achei que era justo
no começo, até que me deparei com alguns problemas do negócio. Tenho
assombrações até hoje. Há coisas que se encontra num vaso sanitário que custa
acreditar que um ser humano o fez. Hoje acredito piamente que temos ets entre
nós. Como resultado, visões me assaltam mesmo acordado, chego a sentir um
choque que corre pela espinha.
E a disciplina militar da
contagem? Nisto penei, doutor. As moscas, como o senhor sabe, são insetos
rápidos como um raio. Eu contava uma, duas e logo elas se misturavam e eu já
não sabia que aquela que porventura pousava, já havia sido contada ou não. Começava
outra vez e logo elas se embaralhavam, hoje eu sei, de propósito, riam de mim,
pousavam em meu nariz de galhofa. Teve uma mais ousada que entrou em minha
boca, só que fui rápido e dei uma dentada na patife. O gosto não é bom, não
senhor.
Como dizia. Até fiquei bom em
capturar mosca com os palitos. Mas isto exige extrema destreza e concentração. Confesso
que burlei meu trabalho, só às vezes, deixei mais de duas moscas por banheiro.
Não foi por mal, era a pressão do trabalho. Depois eu não sabia qual delas
deixar. A gente se apega. Sabendo que sou coração mole, algumas pousavam no meu
ombro e como minipapagaios, limpavam as patinhas, roçavam a cabeça e me fitavam
com aqueles milhões de olhinhos suplicantes. Mas havia aquelas que se amotinaram
contra mim. Brigavam, entregavam umas as outras dizendo que a mosca tal vivia
em mais de um banheiro. São traiçoeiras entre si, doutor, pior do que gente.
Ouvir a discussão delas era
insuportável. Me pesava ter que decidir, especialmente depois de confuso com a
contagem. Tentei estimar a quantidade, assim eu me livrava do problema, mas
quem disse que deu certo. Eles, meus supervisores, por artes não sei como,
sabiam que eu pegava este pequeno atalho. Eu sei que comprometia a qualidade do
trabalho. Perguntei uma vez: por que não simplesmente matar as moscas com um
veneno qualquer? Suprema ofensa. Eu estava atrapalhando a geração de empregos e
ainda por cima poluindo o meio ambiente. E aqueles animais que usavam os
banheiros e deixavam para trás aquelas monstruosidades inclassificáveis, eram o
quê?
Hoje não posso ver moscas, que
sinto uma compulsão para contá-las, perco horas nisso. Este vício já me levou a
lixões – o senhor sabia que acabei encontrando amigas dos tempos do trabalho
por lá – só para contar moscas. E os odores? Opa, doutor o senhor passou por um
daqueles banheiros, reconheci agora. Desculpe. Doutor, eu tenho cura?
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