quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Casamento sem coisar não dá


Um tribunal da cidade de Rosário, na província argentina de Santa Fé, anulou um casamento ao se constatar, clinicamente, que a esposa continuava virgem, após cinco anos de casada. O Tribunal da Família disse à BBC Brasil que a Justiça atendeu ao pedido feito pela esposa, que argumentou querer ter filhos e que desta maneira “não seria possível construir uma família”.


Fonte: De Buenos Aires para a BBC Brasil (06/09/2011)

Se lhe perguntassem, ele não saberia responder por que casara. Um psicólogo abelhudo indicado pelo juiz perguntou, mas ele saiu-se com evasivas. Agora ali, pouco antes da audiência, sua vida passava diante dele, pelo menos os últimos cinco anos. Que estratégia usar para salvar sua honra rota? Como se portar com as perguntas mais escarafuchantes? Sim, a história se espalhara perigosamente e havia, como dizer?, uma sangria desatada por saber, afinal o que acontecera. Cidade pequena é uma porcaria, irritou-se.
Aguentou risinhos, provocações, ironias e piadas descaradas sobre sua masculinidade. O diabo daquela mulher, só podia ser. Ela dizia para as amigas que diziam umas paras outras que diziam aos maridos e estava aí a explicação. Aqueles machistas ridículos. Eles descontavam em mim suas próprias falhas, pensou. Todo mundo falha uma vez na hora agá. E daí se eu nunca consegui?
Isso faz de mim o quê? Um desajustado? Um sem apetite para saliência? Sou gay e não sei? Eunuco. Acho que sou eunuco. Arre, sei lá... Culpei a infeliz da tarada. Disse que o problema era dela. Que mais podia fazer? Dizer que não cumpri com minha obrigação de comparecer nos deveres masculinos e maritais? Coitada, mas tinha que salvar um pouco de dignidade que me restou.
A mulher pediu o divórcio. Alegou que nunca houvera conjunção carnal. Não que ela não tivesse tentado de todas as formas que conseguiu imaginar, assegurou ao juiz. O padre não acreditava e não sabia o que fazer até que saiu o resultado. Um lustro depois, a mulher continuava do que jeito que começou.
O padre nunca enfrentara uma coisa assim. Pediu ajuda ao bispo que disse: em casos como esse tem que separar, pois ele casara a moça com um frouxo e sabe-se lá o que seria de verdade. Que não lhe desse mais a comunhão, que desabençoasse esta união imprópria, este casamento goro, que o excomungasse se fosse preciso. Em tal circunstância, a igreja autorizava o desenlace, pois casamento tem que gerar resultado em filhos, pois assim ordenara o Senhor: crescei e multiplicai-vos. Se um não se multiplica, peca.
O juiz até tentou dar ao caso a discrição que coisas desta natureza pedem, mas a cidade inteira já sabia. Paco nunca tocara na mulher. Doutor, depois de pedir, implorar e suplicar para este homem coisar comigo, ele chegou ao cúmulo de dizer que tinha nojo. É um impotente! Você entende a sorte que tem, senhor Paco? Esta senhora, a despeito de nunca ter podido deleitar-se com as alegrias do casamento, manteve-se fiel. Sou católica praticante, doutor, mas uma hora eu tinha direito a um pouco de diversão, né? Comporte-se, minha senhora.
Ele manteve-se calado. Ansiava que aquilo tudo terminasse. Impotente não: sem costume. Sustentou pateticamente que a culpa era dela, mesmo sabendo que não fazia qualquer sentido manter tal fala diante da prova incontestável: a mulher estava virgem. O senhor casou com esta senhora por quê? Indagou o juiz aborrecido.
Ele como que acordou do transe. Sei não. Como assim não sabe? A gente se conheceu... simpatizou. Uma coisa leva a outra, quando me espantei, estava casado. Nem pensei que tinha que... o senhor sabe. Sei não. Como não sabe? Você é quem tem que saber. Saber o quê, doutor? Meirinho, prenda este infeliz que quer me confundir. O divórcio está dado.

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