segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Falando sozinha

Mulheres casadas falam mais com o cachorro do que com o marido. Pelo menos é o que diz a nova pesquisa publicada pela Associated Press em parceria com a Petside. Os resultados das enquetes não deixaram dúvidas – um terço das mulheres casadas entrevistadas diz que os seus bichinhos de estimação são ouvintes muito melhores do que os seus maridos.

Fonte: Território Feminino

Ouvi a sua voz inconfundível tagarelando e resolvi chegar pé ante pé. Pensava em dar um susto, fazer alguma molecagem, mas o bafafá estava muito interessante. Reclamava sozinha do casamento enquanto varria a sala de jantar. 
Marilda é uma velha amiga. Sempre teve mania de falar só, o que não significa nenhum destrambelho psíquico, muita gente fala só. Marilda, entretanto, leva isso a outro patamar, é um monólogo teatral com direito a todas as manifestações emocionais, o que termina por ser, para ela, uma boa terapia.
Jocosmo, seu marido, anda meio desatento, isso para dizer o mínimo pelo que pude escutar. O patati patatá seguia e esgueirei-me para uma posição melhor porque tem que se ver Marilda em ação, não basta ouvir. Assim que, varria, parava e falava na direção de uma pequena mesa. Encimado e muito ancho, estava um daqueles cachorrinhos que ambulantes vendem para serem colocados em carros. As cabeças bêbadas que tem balançam o tempo inteiro, parecem lagartixas de muro que também mexem a cabeça sempre concordando com algo que não foi dito ou perguntado.
Parada, com uma das mãos segurando o cabo da vassoura e a outra nas cadeiras: é um traste, isso é o que ele é. Desculpe, não é nada com você ou alguém de sua família, mas é um cachorro! Vê se pode fofinho (ela chama todo mundo de fofinho)? Véspera de Natal e eu aqui que nem uma gata borralheira, talvez pior que a Bertoleza de O Cortiço.
Ele deve estar por aí, o inútil. Agora, eu te digo, mudo meu nome, esquecimento até tolero, mas ai dele se eu perceber ele se assanhando para a sirigaita do 402. Aquilo é mulher que acaba casamento. Tu já viu, fofinho, como é que ela sai de casa? Um escândalo. Não que ela se compare à gostosinha aqui, deu um tapa na própria bunda. Mas oferecida como ela é, os bestas daqui ficam tudo babando, o Joco, então. O marido da Cida, até pilhéria joga pra cima da destruidora de lares. Ah, se eu pego o Joco numa safadeza dessas! Corto a língua dele e sei lá mais o quê.
Me diz, o que a gente espera num Natal? Um presentinho, claro. Todo mundo gosta de receber presente. Não sou como aquelas que ficam se fazendo de cu doce. Não, não precisava. Isso arregalando os olhos e não se aguentando. Pois eu digo. Precisava, sim. Quero presente. Fofinho, vi um vestidinho ali que em mim ia ficar uma coisa. A sirigaita ficaria no chinelo comigo. É meu filho, aqui ainda tem muita quilometragem para rodar, tá pensando?
Mas não, tô aqui, esfolando as unhas, varrendo casa e ainda pensando que tem o chester para assar. Ele não move uma palha, o patife. E ainda enche a casa com aquela família de mortos de fome que ele tem. Chegam aqui tudo de mão abanando, desejando feliz natal. Feliz natal um cacete! Mas neste ano vai ser o balacobaco. Eu não tô boa, fofinho. Quer saber, não vou preparar nada. Eles que se virem. Tu acredita, nenhum acarinhamento ganhei.
E a conversa com o “fofinho” seguia. Para de balançar a cabeça feito idiota, diz alguma coisa. Só concorda com tudo, eu hein! Tá vendo, é isso que eu faço o tempo inteiro. Estacou. Fiz, meu filho, fiz. De agora em diante sem quindim não tem é nada. Larguei de ser besta. Deixa o diabo do Joco chegar aqui que ele vai ouvir poucas e boas. Quê?! Tô me lixando se é natal. Cadê que ele se lembrou que é natal. Não tô entendendo, tu concorda ou discorda? Esse cachorro tá é louco. Virou-se para o pinguim sobre a geladeira. E tu, se abrir o bico, vai virar assado de natal, tá me ouvindo?
Jocosmo entra sorrateiro. Uma duas na cabeça. Entretida, Marilda não percebeu. Resolvi sair de fininho, mas ainda vi. Ele a agarrou por tras, deu-lhe um cheiro no cangote e ainda deu tempo ouvir: para Joco, Ô! Para, menino! Saliente! E deu uma gargalhada.

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