terça-feira, 6 de outubro de 2009

O neurônio e a coceira

Aos poucos, tudo em nós vai se explicando pelos genes. Mesmo quando não se sabe a causa de um comportamento. Uma nova doença com um agente etiológico desconhecido é de um dos genes que se desconfia.
Se um pesquisador é instado a falar a hipótese de tal mal, mas ainda às cegas, descamba para explicações genéticas, lança suspeitas sobre um cromossomo qualquer que sozinho é um mundo de letrinhas e logo todos nos damos por satisfeitos. Queremos uma explicação, se ela é razoável dentro dos parâmetros científicos atuais, parecerá aceitável a nós.
E assim os males da alma, dos quereres, dos fastios, das inclinações, do caráter e da personalidade, nossa propensão para enlouquecer, para comer doces ou tornar-nos adictos de drogas ou do trabalho vão se explicando por agrupamento de células rebeldes, genes amalucados que se expressão perversamente dos porões de nosso dna.
Um dos últimos números da revista “Science” reporta uma nova descoberta. Um grupo de cientistas desvendou que um grupo de células nervosas dedicam-se única e exclusivamente a mandar mensagens de coceira para o cérebro. Suponho que entram neste grupo celular aquelas que acusam um bicho de pé sorrateiramente instalado no dedão. Um formigamento por uma frieira em estágio inicial, uma picada de muriçoca.
Os cientistas utilizaram em sua descoberta os onipresentes camundongos. Para confirmar suas suspeitas, desligaram o tal grupo de células (haveria um interruptor à disposição?) e os animais não deram conta que havia coceira. Escapa-me como induziram a prurigem nos bichos. Sabendo-se que algumas doenças têm como efeito colateral coceiras apocalípticas, coisa de um coçar até deixar o local em carne viva, a descoberta tem grande importância.
Pergunto-me. Haverá como desligar outras coceiras, verdadeiros comichões que nos corcomem a alma? Que fazer com a inquietação sem medida com a vida que nos prega peças, com o silêncio de Deus ou suas muitas falas ditas por quem as ouve dos píncaros ou pressentidas de vapores nebulentos? Haverá cura para aqueles de nós que desenvolveu a incapacidade de ouvir o bem por causa do prurido nos ouvidos?
É Paulo quem alerta Timóteo para aquilo que ele considerava o “tempo”, como a indicar, ao mesmo tempo, um futuro longínquo e o presente, quando as pessoas não suportando o ensinamento verdadeiro, cercar-se-ão de mestres que lhes dirão tão somente o que elas desejarão ouvir. Intrigante a metáfora da coceira. Ela indica formigamento, gastura, impaciência, ansiedade, desejo insatisfeito. Penso que traduz uma forma de vida instável, em perpétuo movimento, que nunca encontra paz. Revela inconstância das verdades faladas, fabricadas, acreditadas, mas tão logo se desgastam, haverá a necessidade de substituição.
Ouve-se gritos nas ruas: quero uma ideologia pra viver! E as muitas que existem se justapõem, se atravessam e se juntam aos discursos de verdade que são catadas em livros de auto-ajuda para produzirem montagens teologástricas, personalizadas, recortes profundos que apenas demonstram mais coceira que nos põem como medida de nós. E o danado é que não nos desacostumamos a estes desastres.
Vá lá, tenho minhas coceiras também. Ainda mais se fora o zumbido, ouço ecos de Ezequiel: Os príncipes são lobos que arrebatam a presa, para derramarem sangue, para destruírem as almas e ganharem lucro desonesto. Os profetas, estes encobrem com cal, visões falsas, anteveem mentiras sobre as quais alegam: Assim diz o Senhor Deus, sem que o Senhor tenha falado com eles.




Textos bíblicos: 2 Tm 4.3; Ez 22. 27,28

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