segunda-feira, 18 de maio de 2009

O diabo danou-se


Comerciante invade igreja matriz em Viseu-PA, fantasiado de diabo, para protestar contra padre em plena missa de domingo.

 

Fonte: O Liberal – Belém, Pará. (06/05/09)

Deus me guarde, ave maria nossa senhora me acuda. Xô maldito, vai-te para os quintos dos infernos que é teu lugar. Benzeu-se três vezes diante da cena, sem saber exatamente o que acontecia, mas dentro do quarto dela estava vivo e bulindo, um diabo em carne e osso. O jurupari voltou-se meio desconcertado, despertado de seu torpor de medir-se no espelho. Era o marido.

Cincero, peloamordedeus, que é isso meu nego? O susto da mulher não era pra menos. O marido se encontrava lambuzado dos pés à cabeça de uma tinta vermelha, apenas de cueca, um par de chifres na cabeça – que ela não pusera, era mulher de estirpe – e uma capa esvoaçante acima da bunda, que ele tentava colocar de uma maneira que só ele mesmo poderia saber. Elegâncias do rabudo que não cabe em nossa estética.

É hoje que ele me paga. Eu avisei. Não vai ficar barato, ele tá pensando o quê? Ele quem, seu louco? O padre. Tu já pensou nas crianças e a vergonha que tu vai fazer a gente passar? Não ligo, hoje mato e morro. Só se for de susto, seu abestado, porque tu não faz mal a uma mosca. Daqui tu não sai. Saio. Não sai. Saio. Olha que te jogo uma praga. Minha nossa senhora de nazaré, o louco tá acreditando mesmo que encarnou o fute.

Acorda doido, tu é só o Cincero. Sacudia o marido-diabo pelos ombros em desespero. Mas o homem estava com um olhar desvairado. Tinha tomado umas para criar coragem. Como tivesse liso por aquele mistura de óleo de cozinha com urucum, escapuliu e saiu correndo para a rua em direção à matriz, não antes de dizer: é hoje que me espalho, vou fazer o diabo a quatro.

Pouca gente notou aquele desmantelo ambulante, era noitinha e a missa acabara de começar. Entrou por uma porta lateral e escondeu-se atrás de uma coluna. Esperaria a melhor hora para atacar. O povo cantava. Terminada a cantiga, o padre levantou-se e como que do nada o tisnado saltou em cima dele. Eu vim te atentar, seu padreco. Eu sou o cão. E caíram em bolo no altar. O pobre do vigário deu um grito de espanto, o sacristão correu para tentar soltá-lo do coisa-ruim que o agarrara, a esta altura, pelo pé. Larga, larga. Um dos chifres caíra longe, de modo que o azarado não-sei-que-diga, ficou parecido um unicórnio, só que torto.

Metade do povo da igreja correu e a outra metade ficou paralisada de medo. Nem se diga que umas senhoras tiveram uma síncope e outras berravam histéricas: o diabo matou o padre. O padre, coitado, correu e o mono-chifrudo atrás dizendo impropérios. Alegava uma dívida, alguma coisa com prejuízo que o padre lhe dera. E se virava de quando em vez para os poucos que ainda estavam na igreja para dizer: é hoje que mato gente. Eu vim aqui foi para atentar.

A custo, o sacristão conseguiu que o padre fugisse, enquanto Cincero revirava por todo canto tentando achá-lo. Nisso entra a mulher do diabo com alguns homens da família para prender seu marido tinhoso. Como estivesse liso como um muçum, jogaram uma tarrafa para agarrá-lo e o arrastaram para fora, jogaram na traseira de um jipe e sumiram no mundo enquanto o raivoso vociferava maldições contra seus captores.

Na delegacia, o padre relatou o acontecido. Segundo ele, uma empreita de construção de uns prédios da igreja não fora satisfatoriamente realizada por Cincero e o padre cancelou a obra, chegou a pagar metade dos gastos do homem num acordo amigável na justiça, mas Cincero nunca se conformara e prometera por mais de uma vez vingar-se da desfeita. As buscas realizadas não deram em nada. Soube-se depois que o beiçudo fugira para Brasília onde tinha parentes. Faz todo sentido, aquelas duas bacias são o ninho deles. 

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