sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Papagaio terapeuta



A notícia no “The New York Times”, soou, para mim, inusitada. Estamos acostumados a cachorros guia de cegos, cavalos, pôneis e afins, até golfinhos, no tratamento de pessoas com vários distúrbios, incluindo paralisia cerebral.
Aprendemos que os japoneses desenvolveram gatos, cachorros e até uma foca robô para fazer companhia a idosos e a pessoas solitárias. Os bichos cibernéticos interagem, comem só um pouco de energia elétrica, não sujam, não ficam doentes e com programas específicos, aprendem coisas novas e o alegre possuidor ainda pode monitorar a casa por seus olhos câmeras pelo celular.
Quase acostumamo-nos com pessoas com um hobby no mínimo diferente. Compram umas bonecas chamadas reborns que são cópias idênticas de um bebê. Basta escolher a raça e pedir pelo correio. Não deixa de parecer patético mulheres adultas reunidas como um clube da Luluzinha, cada qual com sua reborn, vestidas e com os demais apetrechos necessários a um bebê de verdade. Vá lá, objeto transitório, a revivência de uma infância limitada, a elaboração de um trauma com uma perda. Depois de assim explicado é mais fácil engolir.
Mas um papagaio-fêmea como babá de um homem com desordem bipolar e histórico de explosões psicóticas violentas é algo para se pensar. Não avalio a eficácia do psitacídeo com sua fala robotizada, até engraçada. Nem tampouco critico o lançar mão de tal “remédio” para ajudar um homem com problemas, que pelo que percebi na reportagem, com capacidade e alguma autonomia. Mas o fato de ser um papagaio e não um ser humano aquele que lhe diz, quando da iminência de uma crise com o intuito de acalmá-lo: “Está tudo bem, Jim”. “Calma, Jim. Está tudo bem com você. Eu estou aqui, Jim.”
Poderia ser pior, você diria, um tipo de aparelho, ligado ao cérebro, identificaria a queda de serotonina ou outro neurotransmissor a ativaria um gravador pequenino assim, próximo ao ouvido: Calma Jim, estou aqui...
Jim parece viver só, permite supor a reportagem. A solidão, a falta de interação com outros que nos ajuda a manter a sanidade – embora alguns nos deixem loucos. A massacrante sociedade que golpeia o diferente e premia um tipo de vencedor solitário que vale sempre quanto tem. Ao que precisa de ajuda corrige-se com leis que visam incluí-lo como forma de atenuar a culpa de quem vence, mas duvido que tenham qualquer sentimento de culpa.
Mas ainda cabe uma penada favorável a este nonsense. Despersonalizado, não-gente é ainda o trato corrente dos psicóticos em muitos lugares do mundo. A reportagem aponta vários países da antiga Cortina de Ferro. É o efeito retardado (cabe mesmo o trocadilho) de um sistema desumanizador que mata a individualidade, despersonaliza o são. E o que é a loucura se não esta cisão irremediável?
Ao lado das letras frias das leis ditas inclusivas, um sistema de saúde capenga que prega um novo trato com os doentes mentais, hospitais humanizados, mas que os mantêm, no Brasil, à míngua. Miseráveis R$28,00 reais por leito/dia. Um papagaio-fêmea sai mais barato, não me admira. Alimenta o tráfico de animais silvestres, destrói a vida do papagaio (melhor a dele que a minha, você diria) e se fosse no Brasil, valia o risco da multa do Ibama, pois qual juiz não diria, devidamente respaldado por um psicólogo de plantão: o papagaio é terapêutico, por que não dizer, quase um terapeuta.

Da reportagem "Fala de papagaio assinala avanços de deficientes". The New York Times, 02/02/2009

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