O Google tem
um programa que pode adivinhar quando o paciente morrerá. Adivinhar é por minha
conta. A unidade de trabalho denominada Medical Brain conseguiu o que médicos e
hospitais vêm tentando realizar a um tempão: tomar todos os dados disponíveis sobre
um paciente e avaliar suas chances de sobrevivência com o máximo de precisão
possível.
Nigam Shah, professor
de Stanford, um dos autores do artigo, relata o feito goggliano (na verdade um
programa baseado em inteligência artificial) e sugere que lidar com aqueles
dados sobre o paciente, trabalho entediante e difícil, está com os dias
contados. “Você pode jogar tudo lá e não precisa se preocupar com isso.” Com “jogar
lá” Shah se refere a todo tipo de dado, inclusive aqueles escritos a mão. O
programa os cataloga, analisa e vaticina preciso.
De uma única
paciente com câncer de mama o programa analisou 175.639 pontos de dados.
Resultado: a inteligência estimou em 19,9% suas chances de morte. A mulher
morreu em poucos dias. Os computadores do hospital estimaram que suas chances
de morte em apenas 9,3%.
A reportagem
afirma que o Google tem nesse programa um novo mercado. De fato, estão
trabalhando freneticamente para prepará-lo para o serviço em clínicas. A promessa
é de que os médicos estarão livres do tal trabalho entediante de lidar com
grande variedade de dados e fazer o que importa: cuidar dos pacientes. Mas por
que será que tenho a impressão de que já ouvi esse mantra antes?
A tecnologia
sempre oferece mais tempo para fazer o mais importante, seja estar com a
família ou, neste caso, focar no cuidado do paciente. Mas ninguém é capaz de
pensar (ou é) dos desdobramentos indigestos que a tecnologia gera. Celular era
para nos comunicar em qualquer lugar e quando fosse necessário com as pessoas que
quiséssemos. Mas presos às redes de centenas ou milhares de amigos as pessoas estão
cada vez mais desconectadas umas das outras obsessivas com dar e receber likes.
Um sistema
desses pode justificar com precisão lógica irrefutável as razões da
(eufemisticamente) alteração do tratamento. A economia de tampo dos
profissionais, recursos, leitos será resultado direto da adoção do sistema. O
mal, diz Brodsky, quase sempre se disfarça de bem.
Sim, é muito
tentador e, diria, até necessário que uma tecnologia realize com precisão
máxima previsões diagnósticas e prognósticas. Mas há outro lado da moeda. Sempre
há. Mercado rima com lucro. Lucro é, afinal, a razão de ser de um negócio. Qualquer
um.
Quem impedirá
que em nome da margem de ganho não se diminua substancialmente o suporte àquele
que o sistema infalível determinou com parcas chances de sobrevivência?
Não digo que estamos
na iminência de que uma IA faça sozinha o trabalho de definir todos os
procedimentos que definirão, em última instância, a continuidade da vida de
alguém, por precária que esteja. Mas é difícil não pensar que tamanha certeza
não justifique a economia de procedimentos terapêuticos até em nome da economia
que suprirá muito aos pacientes com melhores chances. Pense num sistema de saúde
pública do tamanho do SUS com suas crônicas deficiências de tudo e a
necessidade de atender milhões. Em megacorporações de saúde que atendem
unicamente aos acionistas e à remuneração das ações.
Tecnologia como essa
precisa de vigilância e ser submetida a intenso debate. De baixo de nossos
narizes e mesmo envolto num escândalo que fez jus ao mastodôntico tamanho (com
bilhões de dólares em perdas, mas já recuperadas), o Facebook diz candidamente
que sabe até quantos e quais movimentos você faz no seu mouse. É para botar as
barbas de molho ou não?
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