Ela soltou um
sopro forte e os olhos estavam marejados. Disse algo que revelava um enorme cansaço
da obrigação para estar sempre bem. Era como se fosse alvo de muitos olhares e
ato contínuo, a cobrança sobre aquilo que os outros percebiam em seu
comportamento ou apenas em seu semblante não coerente com um estar bem, segundo
os outros de sua convivência.
Eu sempre faço
o que me pedem, resmungou. E descreveu uma fieira de coisas que realizou porque
alguém a certo momento disse: é bom você fazer tal coisa. O que ela concluía
ali não era algo não sabido, era a afirmação de um saber, mas naquele momento
em liberdade de externá-lo em palavras.
Era como se
até aquele instante ela descobrisse que as muitas coisas realizadas, incluindo
as experiências afetivas que não deram certo se configurassem, em seu conjunto,
num enorme fracasso de vida. Em algum momento, era possível pensar que ela se
sentia estranha a si mesma; e que ser gente e carregar todos os desejos e
sonhos que se tem, fosse algo errado.
Nesse
bem-estar aberrante não há permissão para o sofrimento e a dor de ser. O
terrível é que nossas dores estão completamente alheias e elas vêm formidáveis
como um exército em marcha.
Talvez ela
seja uma das milhões de pessoas que se veem forçadas a atender mais que
expectativas, mas a ser um determinado tipo de gente que pensa e age segundo
parâmetros que se movem, que se volatizam, mesclam e retornam ao ponto de partida
sem qualquer aviso.
É assim que você
é aceito, mas você pode ser o que quiser também, dizem. Mas ser o que se quer
é, de fato, ser igual a todos os outros que anseiam por este lugar de
reconhecimento pelo que se é. Este é o drama. Tenho liberdade de ser o que quiser
desde que esteja dentro dos limites das formas disponíveis e só há uma.
Vivemos a
ficção da individualidade plena. Podemos ter dezenas de avatares, mas sempre
seremos cobrados para atender um padrão. Mas isso é assim desde que o mundo é
mundo, agora molestamente amplificado pela instantaneidade e virtualidade.
O que é mais
terrível é que as pessoas que não atendem aos ideais líquidos propostos se
sentem incapazes, frustradas e incompetentes. A insatisfação corrói e o
deslocamento se instala. Será que não faço nada certo? E isso que fiz, a
escolha que realizei são bons ou ruins? Como vou saber?
“Miserável ser humano que sou!
Quem me libertará deste corpo de morte?”
Estamos tantas
vezes estarrecidos e pasmados com nossos desencontros. Saímos deles quando
começamos a acolher-nos inteiros. É bom ter um referencial que nos permita
aceitar-nos, conviver conosco e amar-nos tal como somos. Que aquilo que o outro
deseja e diz e percebe é dele, não me pertence, especialmente se o que fala
quer dizer respeito a mim. Sou eu, apenas eu, o responsável quanto ao que
escolho e vivo. Chorarei e rirei, machucarei a mim e a outros e pedirei perdão,
errarei o alvo e acertarei, mas serei sempre eu vivendo por minhas próprias
crenças e diretrizes.
“Graças a Deus, por Jesus Cristo,
nosso Senhor! De modo que, eu mesmo com a razão sirvo à Lei de Deus, mas com a
carne à lei do pecado.”
(Texto bíblico: Romanos
7.24,25)
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