A
história provoca, mas demora um pouco para engrenar. Não sei se a razão é a má
utilização do roteiro, o próprio que não se encontra ou ainda a curiosa direção
de duas cabeças. Não sei se duas cabeças dirigindo é melhor que duas pensando.
Enfim,
o personagem de Paul Dano (Calvin) é um escritor de sucesso. Cultiva todas as
idiossincrasias de um artista desta categoria, pelo menos os clichês típicos. É
avesso a badalação, tem dificuldade de arrumar uma namorada, um histórico de
bullyng na escola que venceu por causa de sua imaginação privilegiada. Para
completar, passa por uma seca criativa. Os editores e agente estão no seu pé
para o novo livro.
Escrevendo
como que a esmo, cria uma personagem. A mulher de seus sonhos. Novamente, esta
figura se repete entre outras tantas que a telona mostrou desde o megasucesso
de Pretty Woman (Uma Linda Mulher, 1990) – só para marcar uma data –, obra que
catapultou Julia Roberts para o estrelato. Garota que respira liberdade, dona
de si, divertida, amante das artes, bonita, inteligente, boa amante, liberada
dos pudores mais comezinhos que nos mantém nos eixos das obviedades.
Como
parte de suas esquisitices, Calvin escreve suas histórias numa máquinas de
datilografar. Uma mágica acontece. As letras, tinta, papel e palavras
materializam a garota que ele chama de Ruby Sparks (Zoe Kazan, que é a autora
do roteiro). A mulher perfeita está ali, em carne e osso. Imagine o susto. Esmola
grande o santo desconfia.
Em
paralelo, a história só é escrita quando lhe convém. Calvin dedica todo seu
tempo a viver sua paixão com Ruby. Ele alcançou o clímax de sua projeção
perfeita de uma relação. O livro deve ficar na gaveta. Mas se para de escrever,
a história se escreve a si mesma. Um script se impõe pela vida e as
interrelações com outras pessoas.
O
personagem vivo, autônomo, não segue o roteiro que se espera, tem vida própria.
O amor entre os dois é vivido intensamente, mas Ruby exercita plenamente sua
liberdade. Ela é um ser humano, com tudo de bom e ruim. O escritor descobre que
pode manipular sua personagem ao seu gosto e caprichos. Afinal, ela é apenas
fruto de sua mente. Calvin, desesperado, quer manter aquele amor intocável,
perfeito, congelado. Ele ama mais o personagem idealizado que a mulher na qual
ela se torna.
A
cada intervenção com a velha máquina de escrever, uma consequência
incontrolável se manifesta. Calvin está desesperado. Num frenesi de
onipotência, frustrado por uma quase traição da namorada, ele muda seu humor,
seu comportamento, como quem faz alterações num desenho que não atingiu a
estética que se quer.
Uma carga tão grande de
emoções e mudanças exaure totalmente quem Ruby foi, seja como mulher ou
personagem. Calvin está inconsolável com a perda. Culpa e arrependimento não
trazem de volta sua namorada. Ele precisa libertá-la e se libertar com este
ato. Seu livro chega ao fim com a simbólica mudança da máquina para um
computador onde escreve suas últimas frases. Um novo Calvin que se mudou e foi
mudado na relação com o outro. Como todo romance, que flerta com a comédia
leve, há um final feliz. Mas é só um ponto para recomeçar, agora, se quiser,
com a lição de que controlar a vida de alguém é tarefa extenuante, ingrata e
infeliz.
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