quarta-feira, 24 de abril de 2013

Ruby Sparks


A história provoca, mas demora um pouco para engrenar. Não sei se a razão é a má utilização do roteiro, o próprio que não se encontra ou ainda a curiosa direção de duas cabeças. Não sei se duas cabeças dirigindo é melhor que duas pensando.
Enfim, o personagem de Paul Dano (Calvin) é um escritor de sucesso. Cultiva todas as idiossincrasias de um artista desta categoria, pelo menos os clichês típicos. É avesso a badalação, tem dificuldade de arrumar uma namorada, um histórico de bullyng na escola que venceu por causa de sua imaginação privilegiada. Para completar, passa por uma seca criativa. Os editores e agente estão no seu pé para o novo livro.
Escrevendo como que a esmo, cria uma personagem. A mulher de seus sonhos. Novamente, esta figura se repete entre outras tantas que a telona mostrou desde o megasucesso de Pretty Woman (Uma Linda Mulher, 1990) – só para marcar uma data –, obra que catapultou Julia Roberts para o estrelato. Garota que respira liberdade, dona de si, divertida, amante das artes, bonita, inteligente, boa amante, liberada dos pudores mais comezinhos que nos mantém nos eixos das obviedades.
Como parte de suas esquisitices, Calvin escreve suas histórias numa máquinas de datilografar. Uma mágica acontece. As letras, tinta, papel e palavras materializam a garota que ele chama de Ruby Sparks (Zoe Kazan, que é a autora do roteiro). A mulher perfeita está ali, em carne e osso. Imagine o susto. Esmola grande o santo desconfia.
Em paralelo, a história só é escrita quando lhe convém. Calvin dedica todo seu tempo a viver sua paixão com Ruby. Ele alcançou o clímax de sua projeção perfeita de uma relação. O livro deve ficar na gaveta. Mas se para de escrever, a história se escreve a si mesma. Um script se impõe pela vida e as interrelações com outras pessoas.
O personagem vivo, autônomo, não segue o roteiro que se espera, tem vida própria. O amor entre os dois é vivido intensamente, mas Ruby exercita plenamente sua liberdade. Ela é um ser humano, com tudo de bom e ruim. O escritor descobre que pode manipular sua personagem ao seu gosto e caprichos. Afinal, ela é apenas fruto de sua mente. Calvin, desesperado, quer manter aquele amor intocável, perfeito, congelado. Ele ama mais o personagem idealizado que a mulher na qual ela se torna.
A cada intervenção com a velha máquina de escrever, uma consequência incontrolável se manifesta. Calvin está desesperado. Num frenesi de onipotência, frustrado por uma quase traição da namorada, ele muda seu humor, seu comportamento, como quem faz alterações num desenho que não atingiu a estética que se quer.
Uma carga tão grande de emoções e mudanças exaure totalmente quem Ruby foi, seja como mulher ou personagem. Calvin está inconsolável com a perda. Culpa e arrependimento não trazem de volta sua namorada. Ele precisa libertá-la e se libertar com este ato. Seu livro chega ao fim com a simbólica mudança da máquina para um computador onde escreve suas últimas frases. Um novo Calvin que se mudou e foi mudado na relação com o outro. Como todo romance, que flerta com a comédia leve, há um final feliz. Mas é só um ponto para recomeçar, agora, se quiser, com a lição de que controlar a vida de alguém é tarefa extenuante, ingrata e infeliz.

Nenhum comentário: