O inglês Richard Munns sempre quis viajar o mundo, mas seu medo de voar o impediu de realizar esse sonho. Quando ele morreu, vítima de um câncer em 2007, sua mulher teve uma brilhante ideia: levar as cinzas do marido para 'conhecer' diversos países.
Lembra Crisóforo, tanto que eu quis viajar, conhecer outras culturas, mas você inventou de ter fobia de avião justo quando os meninos estavam criados e tínhamos um pouco mais de liberdade. Certo, a aposentadoria não era e não é estas coisas, mas dava para umas aventurazinhas. Nossa despesa era bem pouca agora. Mas você, hein, longe daquele rapaz galante, aventureiro que conheci, tornou-se um porre, Crisóforo.
Olha, nossos primeiros trinta anos até que foram bons, não tenho do que reclamar... Quer dizer, tenho, mas agora, de que adianta? Mas nesta última década foi difícil, convenhamos. Você só reclamava, até com notícia na tv você resmungava. Cheguei a pensar que você estava lelé.
Aguentei você, Crisóforo. Sim, agora posso falar. Eu me contive muitas vezes, até por gratidão, afinal tive meus dias ruins quando se instalou a loucura que foi minha menopausa. Mas tudo tem limite. Ser chato é uma coisa, mas estraga-prazeres, Crisóforo?
Agora estou aqui olhando pra você nesta urna, me sentindo sozinha. Sabe, até sinto falta do seu jeito ranzinza. Agora sei que era a sua “menopausa”. Se eu tivesse sabido no início, talvez você nunca tivesse desenvolvido fobia a tudo.
Vi que a coisa era sem jeito quando só planejar ir aqui do lado, em Bariloche, você começou a ter uma síncope. Que susto, Crisóforo! Mas tive a esperança que, passada a crise, você voltaria ao normal. Que nos restava, Crisóforo? Só o conforto da companhia, sim, porque o resto, necas, né Crisóforo? Aliás, resto descreve bem nossa situação naquele assunto. Já sei, já sei, você não gosta de tratar disso. Fere sua masculinidade em estado de rigor cadavérico. Deu uma gostosa gargalhada. Desculpe... desculpe (tentava se recuperar do riso)... Mas a piada foi ótima.
Quer saber? Eu não vou ficar me lastimando. Se não podia ou não queria viajar eu fui solidária, agora estou livre Crisóforo: l-i-v-r-e. Então eu vou viajar. Vou conhecer o mundo. Ei, por que você não vem junto? Claro que pode, você está curado de tudo. Depois da morte, meu filho, não tem mais negócio de medo. Olha só que vantagem você tem em relação a nós: se o avião cair – não vai cair: toc, toc, toc – você será o único que não morre mais.
Vou levar você, sim. Mas vai ficar estranho carregar uma urna com cinzas do marido. Já imaginou, com a piração de segurança que está nos aeroportos? Não decolo nunca. Tem o peso. Onde colocar você sem derramar? Já sei, Crisóforo, levo pequenas porções de você num envelope. É discreto, não pesa, não fica estranho... Melhor ainda, deixo cada porção de você por onde formos, olha que louco e excitante? Você ainda poderá explorar cada lugar pelo tempo que quiser.
Claro que não vou deixar você em qualquer lugar. Escolho algum lugar bacana, perto de um cemitério de preferência, assim, caso você se sinta só, terá colegas por perto em igual condição para trocar umas ideias, descolar umas informações de alguns lugares interessantes que poderá visitar. Por onde começamos? Que tal a Europa?
Sei que parece loucura, mas não era você que suspirava querendo conhecer o mundo? Não foi. Até passar na frente de um aeroporto fazia você hiperventilar, lembra? É verdade, você vai acabar se eu for a muitos lugares. Mas se eu deixar um pouquinho de você no fundo, tudo bem? Ótimo, que bom que você concorda.
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