“Errei ao dizer que anunciaria uma renúncia irrevogável, mas gostaria que vocês conhecessem as razões mais profundas que me levaram a essa decisão”.
Fonte: Folha On line
Entrou na política pelo movimento estudantil num tempo em que ideais revolucionários já decaíam, mas ainda mantinham seu charme. O nome, assim como os fartos bigodes que ostentava, era uma espécie de profecia. Ancrísio Meliante era modernoso, assim cultivava seu perfil político, mas era incrivelmente pusilânime com uma queda para o teatro bufão.
Informantes desta coluna conseguiram contrabandear uma gravação secreta do gabinete de Meliante. Explico o contexto ao leitor. Uma crise no partido do qual era líder, colocou-o na incômoda posição de ter que mostrar à luz do dia o que ele praticava às escondidelas e aos cochichos com seus coleguinhas. Mas, já havia dito que não faria o que estava fazendo umas quantas vezes, o que ninguém levou a sério. Não mais do que o miserável incômodo de protelar a execução do mal feito e agora dizia que não faria o que começou a fazer.
Senador, esta é a quarta vez que o senhor diz que não fará aquilo que disse que faria. Os partidários estão fulos da vida com o senhor. Eles precisam que o senhor faça a sua parte para maneirar a deles. Mas é a quarta vez que digo isso? Sim, senhor. Mas agora é irrevogável. Já usei esta palavra antes? O senhor disse renunciar. Mas depois desta não tem outra não. É tipo cláusula pétrea.
E o povo, não vai estranhar esse vai-não-vai, esse rame-rame sem fim? Uma hora diz uma coisa, outra hora diz o contrário. O povo não liga. Já sabe que nós somos assim mesmo. Sem palavra? Que é isso, tu é meu assessor ou o grilo falante? O senhor é que sabe.
Pois vou usar “irrevogável” mesmo. Ninguém no mundo me demoverá desta decisão. Não salvo o bigode nem a pau, nem um fio. O seu? O dele. Dele quem? Ah... Mas, senador Meliante, não vai pegar mal? O quê? Se o senhor confirmar, será a quinta vez que se desdiz. Meu filho, eu sou “imprescindível”, tenho que ganhar algum nesta história, a alma já vendi, quero um lugar melhor, com vista para o lago de fogo, ora se não.
Olhe, teve aquela vez que o senhor disse que entregaria o cargo se sua posição não fosse atendida pelos seus colegas liderados. Era bravata. Queria impactar. Sim, depois o senhor disse que desistiria da liderança. Potoca. Queria impressionar. Depois o senhor falou que passava a liderança. Conversa fiada. Queria chamar a atenção, bigode estava aparecendo mais que eu. Teve também aquela vez que o senhor bateu a porta e disse que não voltava mais lá. Teatro. Queria cafuné dos colegas. Queria um coro de “fica Meliante”. É lindo isso.
Bem, e agora o senhor postou no twiter que subirá à tribuna para ler o discurso de entrega do cargo de líder em caráter “irrevogável”. Isso mesmo. Agora lascou. Existe uma palavra para desdizer “irrevogável”. Vamos olhar no dicionário. Ih... só tem revogável. É fraca. Então? Só se o presidente pedir. Seria bom, não é? Agora que tô morto de arrependido. A boquinha é muito boa. Tô com medo de acontecer o que aconteceu com o Jânio. Senador, telefone. É o presidente. Agora tenho a desculpa para revogar o irrevogável. Já tenho até a frase: “Errei ao dizer que anunciaria uma renúncia irrevogável”. Agora é cair nos braços do povoléu.
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