Mas como me livrar do humano? Pergunta Adélia porque tinha vergonha de pedir a Deus alguma coisa que ela, assim entendi, julgava uma bobagem – o não pedir e o pedir ao mesmo tempo. Pudores que nos matizam, paciência. Não lembro de ter pedido bobagem, algo como reclama o meio irmão de Jesus, Tiago: pedis e não recebeis porque pedis mal, para esbanjardes com vossos prazeres. Mesquinhos, acrescento.
Fraquejo, duvido e confesso. Não, não o faço de forma debochada, como a provocar, desafiar alguém de quem penso não ter poder para fazer aquilo que afirma ter poder para fazer. É irrefreável em mim o trazer à memória negativas outras. Brigo comigo. É justo pedir? Se não há qualquer merecimento em mim – que fiz que merecesse qualquer recompensa? –, dependo da boa vontade dEle, de quem Tiago diz vir toda boa dádiva e todo dom perfeito e a quem chama de Pai das Luzes, aquele em quem não há mudança, nem sombra de variação.
Mas eu sou vário, estou e não estou, desfaço-me e logo me recomponho noutro diferente de mim. Cambaleio como bêbado, tentando andar em linha reta. Me alegraria sobremaneira ser um, pelo menos uma vez. Mas esqueço minha face, segundos depois de me ver e se olho o fundo do poço que carrego, a água turbulenta não me deixa ver nunca a face verdadeira, ela se distorce pela ebulição constante. O olho aparece na boca e a boca na orelha.
Tiago reclama que quem duvida é homem de ânimo dobre, dividido, nem suponha que alcançará nada do Senhor. Haverá um meio termo nessa dura classificação? Quer o Senhor que eu não pense? Que me esqueça de tantas vezes o pedido negado e o silêncio como resposta? Quererá uma fé cega que não relacione um histórico de negativas que, por óbvio, não atino nem de longe? Nisso ele não toca.
Ah, o tempo. Me escapa o futuro e o passado me registra como tatuagens de histórias que não esqueço e voltam em golfadas de lembranças de outros nãos. Como prosseguir a pedir? De outro lado estou paralisado, moro no fundo do vale, não subi a montanha donde se pode ver a terra prometida. Capto visões de outros olhos. Será metediço querer ver com os próprios olhos? Nego-o por esta curiosa necessidade? Não diviso horizontes, carrego antolhos, só minha fala é conspícua, não conhece limites porque para o bem e para o mal, é o único que tenho.
É meu humano, barro do qual sou feito. Devo vencê-lo calando minhas perguntas e vivendo pelo exemplo alheio que diz que clamou assim e assim e milagrosamente foi ouvido? Exatamente como pediu e até melhor, arrematam sem se caber em si. Vai ver endereço o pedido para destino errado. Quem sabe?
Ouço o pedi, pedi, mas lá não está escrito, nem nos arredores, o manual das condições. Quero ler a letras miúdas no rodapé dos escritos. Que não me venham com pecados encobertos, desrespeitos secretos, males do pensamento, incúria com guardar os ritos, dias santos, comidas e o jejum em honra dEle. Negocio, porventura? Ofereço algo que já não tenha?
Um comentário:
bom comeco
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