quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Filho da Mãe


Um homem foi preso nos Estados Unidos por se fazer passar pela mãe, morta em 2003, para receber cerca de US$ 115 mil (cerca de R$ 228 mil reais) em pensão e outros benefícios.
Fonte: BBC Brasil

Naquela manhã, ele acordou pouco mais tarde que de costume. Estranhou o silêncio. Não ouviu movimentação na cozinha nem a indefectível radiola tocando "Eu não vou negar que sou louco por você, tô maluco pra te ver... eu não vou negar...". Ainda zonzo, caminhou pela casa à medida que as idéias clareavam. Cadê mamãe? Perguntou-se já em sobressalto. Dirigiu-se ao quarto da velha senhora e viu-a ainda deitada e tremeu de terror, aquilo só podia significar uma coisa: ela morrera durante a madrugada.

Paralisado, deteve-se olhando a cena, as lágrimas desceram abundantes. Mamãe... falou baixinho como se não quisesse acordá-la de um bom sono. Mamãe! Disse ainda mais alto e decidido. Então teve certeza. Atirou-se sobre o corpo inerte e chorou sua perda. Na verdade, sua mente trabalhava febrilmente sobre seu futuro. A mãe foi seu sustento nos últimos quarenta e nove anos, sem contar os quindins. Acabou-se a roupinha lavada, já era cafezinho quente pela manhã e o nescauzinho ao deitar. E a graninha para umas saídas e seus parcos interesses? Isto sim, era o pior de tudo.

Descontrolado, sacolejou a velha, tomado de desespero. Primeiro por pena dela e de si mesmo, depois por raiva. Velha traidora! Dizia, como que transtornado. Como é que eu fico agora? O que será de minha vida? Você não podia fazer isso comigo, eu que lhe fiz companhia estes anos todos desde que o teu marido se foi com a empregada. Quem ficou do teu lado e te apoiou? Eu. Batia no peito. Desabou ao lado cama com as mãos no rosto. Precisava se acalmar, pensou. Há de ter uma solução.

Levantou-se, olhou com certo desprezo para o corpo da mãe ainda enrolado no lençol. Agora estava concentrado em como manteria a aposentadoria da velha para seu sustento. Podia falsificar sua assinatura - aprendera muito antes para os pequenos golpes que lhe dava. Pela idade dela, porém, sabia que de tempos em tempos, o sistema previdenciário exigia a presença da própria, em carne e osso, no departamento mais próximo. Assim o ministro determinara.

Com a mente em comichões, voltou-se de lado e viu o guarda-roupa aberto. Os vestidos pendurados, as perucas e outros badulaques foram como um alume. Isso, vou encarnar a velha, afinal eu sempre tive uma veia artística, sou um ator nato e de quebra, na vida real, ainda realizo minha paixão por atuar. Ajudará, sem dúvida, nossa lastimável parecença. Um toque aqui, outro ali e voilá, serei a própria.

Como fossem um tanto reclusos, tratou de dar normalidade à casa, vai que um vizinho mais enxerido... melhor nem pensar. Ligou a radiola e saiu para contratar um serviço funerário discreto. Na calada da noite retirou o corpo e o enterrou num cemitério escondido. Dia seguinte, testou sua transformação. Ligou para um seu primo, igualmente ordinário, e convidou-o para uma visita. Eram cúmplices em muitas canalhices e se conseguisse enganá-lo, a farsa seria perfeita. Também se não conseguisse, ele não contaria a ninguém, claro, desde que recebesse algum.

A visita foi um sucesso e nem mesmo depois que se revelou o primo acreditou, teve que retirar a peruca para que o outro caísse em si. Gênio, primo, tu és um gênio. Eu te ajudarei a sacar o dinheiro como "damo" de companhia. Ótimo, assim não precisarei falar muito, poderia ser pego.

E assim, anos se passaram. Mas algo estranho acabou acontecendo. Seu primo, que agora praticamente vivia na casa, percebeu que ele não retirava mais a farsa. Logo pela manhã se montava todo e começou a fazer as mesmas coisas que a mãe, quando viva, fazia. Ouvia sua música predileta "eu não vou negar... você é minha doce amada..." e chamava o primo de "meu filho" e "pimpinho" que era como ele era chamado pela mãe. O primo cúmplice, alarmado, tentou demovê-lo daquilo diversas vezes, mas cada dia piorava e diante de sua recusa, resolveu que algo precisava ser feito.

Com o passar dos dias, o primo cúmplice percebeu que ele só podia estar louco e sem saber o que fazer, procurou um serviço psiquiátrico e disse que a "tia" estava doente. O médico logo percebeu que era um homem travestido. Questionou o parente. Como você disse que era sua tia? Ele não aceita que eu o chame pelo nome verdadeiro. Porque eu não sou este que ele diz, doutor, atalhou. Eu sou um ator, posso ser qualquer coisa, até mesmo um político, um senador, por exemplo, que é um tipo que tem muitas caras.

Diante de tantas inconsistências, o médico, por via das dúvidas, chamou a polícia. Preso, o ex-filho, agora mãe, depois de tudo descoberto, disse ao policial de forma teatral, como um último ato: "Eu segurei minha mãe quando ela estava morrendo e respirei seu último suspiro, então, eu sou minha mãe".

Legenda da ilustração: Jonh Travolta no filme Hairspray

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