quarta-feira, 3 de junho de 2009

A lenda de Pragmônio


O ministro de Justiça britânico, Shahid Malik, renunciou nesta sexta-feira na primeira perda de alto escalão do governo do premiê Gordon Brown desde a divulgação dos escândalos dos gastos reembolsados, no qual deputados e parlamentares pediam reembolso do governo britânico por despesas como estrume, comida para cachorro, churrasqueiras e outros itens pessoais.

Fonte: Folha On line - Reuters

Homem educado, de modos e gostos refinados, escovados ao longo de mais de uma cinquentena de anos, seus movimentos eram milimetricamente planejados, até o tique num dos olhos, que olham como uma esfinge. Roupas, aparência, cada detalhe causava seu próprio impacto. Trabalhava de forma tenaz, porém, para aparentar algo Vestal ao mesmo tempo sublime.

Ele não dizia mais termos chulos, coisas que denegriam seu status. A esta altura, tinha gente que dissesse por ele. Uma de suas leis, entre muitas pelas quais se guiava, era, no dito popular: O bom cabrito não berra, versão nordestina de “vingança é um prato que se come frio”. Mas não dizia estas coisas tolas que funcionam na prática e na boca de um tipo de presidente peculiar. Nele, não.

Chamava-se Pragmônio Sarnakovsky, nome sem dúvida diferente, o que ele tornou uma marca, e marca a gente se acostuma depois de milhões de vezes exposto a ela, a ponto de não se perceber mais exatamente do que ela fala. É como se tornasse parte do cotidiano, algo que enche as ruas, os prédios, até biblioteca, como cupins leitores que adoram furar buracos enormes nos livros, embora tenham a teima em deixar as capas intactas – bicho disfarçado e estratégico –, quando um se dá conta, adeus omasos.

Pragmônio foi político. Tinha um dom inacreditável: mimetizava-se em tantas formas e cores ideológicas que, passados tantos anos, estudiosos descobriram, não em seus escritos, dos quais se orgulhava a não mais poder, mas disso já falamos. Descobriram cavoucando a história remendada nas ruas, nos edifícios, nas leis, nos alfarrábios registrados de seus mandos, coisa que, diziam – para espanto de todos que na primeira vez que se ouviu –, se identificava traços de suas digitais desde as capitanias hereditárias. Havia quem dissesse que vinha de mais longe, algo lá pelas sesmarias.

Mas dizia, os historiadores descobriram uma particular ideologia nos atos deste titã, à qual denominaram Sarnakovsklítica. Não houve nada igual, nem desde os césares e olha que os caras eram mestres nas manobras políticas. Mas Pragmônio criou algo único, diria, irrepetível, talvez num milênio num país longínquo ao qual chamavam Brazyl. Exceto se por causa de nossas desavenças humanas chegarmos à beira do extermínio e tivermos que começar outra vez. Os estudiosos descobriram um padrão, é que na arte Pragmônica, tipos iguais vicejam no caos, na pobreza, na deseducação e se possível, em situações de falta de liberdade. É como um tornado classe V, condições específicas e raras devem se unir para produzi-lo.

A Sarnakovsklítica não é violenta. Isso é algo interessante, afirmam os historiadores. Não a violência bruta, à luz do dia, ela se vale das forças da própria estrutura que organiza as gentes para consumi-la. Serpenteia no intrincado labirinto de relações entre os poderes. Move peças em todos eles a fim de alcançar o que lhe apetece. A violência é subreptícia, as mortes dos inimigos realizadas com espetacular ciência, prescinde das fogueiras e de forcas em praças públicas, mesmo assim os mata, um a um. Dizem que o poder daí nascente é tentacular. Comparam-no às vezes, por troça, com a Hidra de Lerna, cuja cabeça cortada renasce noutro lugar. Não há Hércules que chegue.

Frase de Pragmônio - não confirmada – a literatura salva. Esta é outra peculiaridade dele. Como fosse algo parente do lendário Matusalém que, segundo se diz, viveu 969 anos, ele precisaria de um titulo que lhe desse entre os meios sociais a característica de imortalidade – coisa que já tinha –, não no nome como é comum pensar, nem nos escritos pelos quais zelava como o Cérbero, seu irmão, vigia a porta do Hades. Até porque as academias estão cheias de mortos bem morridos – quem se lembra? –, a não morte é por outros meios, mais, digamos, mefistofélicos. Fausto que o diga.

A Sarnakovsklítica remodelou toda a idéia do que chamavam democracia. Porque ela com esta não se confunde, pois necessita de espaço físico, portanto, revive os trejeitos dos déspotas esclarecidos, sem seus rompantes, porém. Lembra o absolutismo, mas feito ao pé do ouvido, pavoneia seus pares, troca cafunés de poder. Domina amplas lavras de terra, sem, contudo, cuidá-las como o faziam os senhores feudais, mas é certo retirar dela seu quinto.

Quanto mais estudam as habilidades de Pragmônio, mais admirados ficam os estudiosos. Dizem que não morreu, desapareceu como Dom Sebastião. Sua sombra ainda se estende sobre as almas, como lenda em terras brancas, entre casarões seculares e, por último, como um espírito da floresta.

Nenhum comentário: